Confissão de Fé de Augsburgo 25 de junho de 1530
INFORMAÇÃO INICIAL
O material que ora se
encontra em seu computador (ou em suas mãos, impresso) não
é em nada original.
Trata-se, tão somente,
de uma cópia fiel do material que é apresentado no LIVRO
DE CONCÓRDIA, As Confissões da Igreja Evangélica
Luterana, tradução e notas de ARNALDO SCHÜLER, 4ª
Edição 1993, uma co-edição de EDITORA SINODAL
e EDITORA CONCÓRDIA.
Qual o objetivo? O luteranismo
mundial comemorou em 1997 o 500º aniversário de nascimento
de Philipp Melanchthon.
Não podemos falar
de Confissão de Augsburgo sem falar de Melanchthon. Ele foi o autor
intelectual, o compilador, não somente da CA, como também
de outro documento muito importante, conhecido como Apologia da Confissão
de Augsburgo.
Philipp Schwarzert (o
sobrenome significa "terra negra") nasceu em Bretton, Baden,
em 1497. Seu tio-avô, o famoso humanista Reuchlin, certamente havia
exercido grande influência sobre ele, pois lhe seguiu os passos
no humanismo, tornando-se, a partir de 1518, com apenas 21 anos de idade,
professor das línguas hebráica e grega na Universidade de
Wittenberg. Por seu grande amor à língua grega, "helenisou"
o seu sobrenome, adotando o nome de Melanchthon, conforme a tradução
de "terra negra" para o grego.
Tornou-se grande amigo
de Lutero e o seu mais fiel aliado na causa da Reforma. Se, de um lado,
havia Lutero, um profundo conhecedor da Palavra de Deus, de outro lado
havia Melanchthon, um dos maiores conhecedores das línguas originais
nas quais a Palavra de Deus havia sido escrita. A partir de 1526 inicia,
junto com Lutero, a visitação a igrejas e escolas, visando
solidificá-las, o que redundou no fortalecimento eclesial de um
modo geral.
Nosso objetivo é,
portanto, fazer com que a CONFISSÃO DE AUGSBURGO se torne mais
conhecida e, por conseguinte, mais usada como base confessional. Só
isso.
Que o Senhor da Igreja,
que certamente inspirou os homens que estiveram por trás da CA,
também inspire todo(a) aquele(a) que hoje trabalha com ela.
Também é
preciso que fique firmado que o presente trabalho não visa nenhuma
comercialização e nenhum lucro, e será usado publicamente
apenas após consentimento das Editoras Sinodal e Concórdia
sendo, portanto, proibída qualquer comercialização
do mesmo.
UM POUCO DA HISTÓRIA
INTRODUÇÃO
No dia 21 de janeiro de 1530, o Imperador Carlos V convocou uma dieta imperial a reunir-se em abril seguinte, em Augsburgo, Alemanha. Ele desejava ter uma frente unida nas suas operações militares contra os turcos, e isso parecia exigir um fim na desunião religiosa que tinha sido introduzida como resultado da Reforma. Conseqüentemente, convidou os príncipes e representantes das cidades livres do Império para discutir as diferenças religiosas na futura dieta, na esperança de superá-las e restaurar a unidade. De acordo com o convite, o Eleitor da Saxônia pediu aos seus teólogos em Wittenberg que preparassem um relato sobre as crenças e práticas nas igrejas da sua terra. Uma vez que uma exposição de doutrinas, conhecida com o nome de Artigos de Schwabach, tinha sido preparada no verão de 1529, tudo o que parecia ser necessário agora era uma exposição adicional a respeito das mudanças práticas introduzidas nas igrejas da Saxônia. Tal exposição foi, por isso, preparada por teólogos de Wittenberg e, visto que foi aprovada num encontro em Torgau, no fim de março de 1530, é chamada comumente de Artigos de Torgau.
Juntamente com outros
documentos, os Artigos de Schwabach e Torgau foram levados para
Augsburgo. Lá foi decidido fazer uma declaração luterana
conjunta em vez de uma simples declaração saxônica,
a explanação a ser apresentada ao Imperador. Circunstâncias
também exigiram que se deixasse claro na declaração
que os luteranos não fossem reunidos ao acaso com os demais oponentes
de Roma. Outras considerações indicaram que seria desejável
enfatizar mais a harmonia com Roma do que as diferenças. Todos
estes fatores contribuiram para determinar as características do
documento que estava sendo preparado por Felipe Melanchthon. Os Artigos
de Schwabach tornaram-se a base para a primeira parte do que veio
a ser chamado de Confissão de Augsburgo, e os Artigos
de Torgau tornaram-se a sua segunda parte. Lutero, que não
estava presente em Augsburgo, foi consultado por correspondência,
mas as emendas e revisões continuaram sendo feitas até a
véspera da apresentação formal ao imperador, em 25
de junho de 1530. Assinada por sete príncipes e pelos representantes
de duas cidades livres, a Confissão imediatamente adquiriu importância
peculiar como uma declaração pública de fé.
De acordo com as instruções
do imperador, os textos das confissões foram apresentados em alemão
e latim. A leitura diante da Dieta foi feita do texto alemão, que
é, por isso, tido como mais oficial. Infelizmente, nem o texto
alemão nem o latino existem nas formas exatas em que foram apresentados.
De qualquer maneira, mais de cinqüenta cópias que datam de
1530 foram encontradas, incluindo esboços que representam vários
estágios no preparo antes de 25 de junho, bem como cópias
com uma variedade de novas mudanças no vocabulário feitas
após 25 de junho. Estas versões têm sido objeto de
extensos estudos críticos da parte de muitos estudiosos, e um texto
latino e outro alemão foram reconstruídos e podem ser considerados
próximos, embora não idênticos, aos documentos apresentados
ao Imperador. Existem diferenças entre os dois textos, razão
por que ambos estão reproduzidos nesta obra.
PREFÁCIO
(Tradução
do texto latino do prefácio)
Invictíssimo Imperador,
César Augusto, Senhor clementíssimo. Porquanto Vossa Majestade
Imperial convocou uma dieta imperial para Augsburgo, destinada a deliberar
sobre esforços bélicos contra o turco, adversário
atrocíssimo, hereditário e antigo do nome e da religião
cristãos, isto é, sobre como se possa resistir ao seu furor
e ataques com preparação bélica durável e
permanente; e depois também quanto às dissensões
com respeito a nossa santa religião e fé cristã,
e a fim de que neste assunto da religião as opiniões e sentenças
das partes, presentes umas às outras, possam ser ouvidas, entendidas
e ponderadas entre nós, com mútua caridade, brandura e mansidão,
para que, corrigido o que tem sido tratado incorretamenteC nos escritos
de um e outro lado, possam essas coisas ser compostas e reduzidas a uma
só verdade simples e concórdia cristã, de forma tal,
que, quanto ao maisD, seja praticada e mantida por nós uma só
religião pura e verdadeira; e para que assim como estamos e militamos
sob um mesmo Cristo, possamos da mesma forma viver em uma só igreja
cristã, em unidade e concórdia; e porque nós, os
abaixo assinados, assim como os outros eleitores, príncipes e ordens,
fomos chamados à supramencionada dieta, prontamente viemos a Augsburgo,
a fim de nos sujeitarmos obedientes ao mandato imperial, e, queremos dizê-lo
sem intuito de jactância, estivemos entre os primeiros a chegar.
Como, entretanto, Vossa
Majestade Imperial também aqui em Augsburgo, no próprio
início desta dietaE, fez que, entre outras coisas, se indicasse
aos eleitores, aos príncipes e a outras ordens do Império
que as diversas ordens do Império, por força do edito imperial,
deveriam propor e submeter suas opiniões e juízos nas línguas
alemã e latina, e como quarta-feira passadaF, após deliberação,
se respondeu, em seguida, a Vossa Majestade Imperial que de nossa parte
submeteríamos os artigos de nossa Confissão sexta-feira
próximaG, por isso, em obediência à vontade de Vossa
Majestade Imperial, oferecemos, nesta matéria da religião,
a Confissão de nossos pregadores e de nós mesmos, tal qual
eles, haurindo da Sagrada Escritura e da pura palavra de Deus, ensinaramH
essa doutrina até hoje entre nós.
Agora, se os demais eleitores,
príncipes e ordens do Império igualmente apresentarem, de
conformidade com a precitada indicação da Majestade Imperial,
em escritos latinos e germânicos, suas opiniões na questão
religiosa, estamos dispostos, com a devida obediência a Vossa Majestade
Imperial, como nosso Senhor clementíssimo, a conferir, amigavelmente,
com os precitados príncipes, nossos amigos, e com as ordens, sobre
vias idôneas e toleráveis, a fim de que cheguemos a um acordo,
até onde tal se possa fazer honestamente, e, discutida a questão
entre nós, dessa maneira, com base nos propostos escritos de ambas
as partes, pacificamente, sem contenda odiosa, possa a dissensão,
com a ajuda de Deus, ser dirimida e haja retorno a uma só verdadeira
e concorde religião. Assim como todos estamos e militamosI sob
o mesmo Cristo, devemos outrossim confessar um só Cristo, segundo
o teor do edito de Vossa Majestade Imperial, e todas as coisas devem ser
conduzidas em acordo com a verdade de Deus, e pedimos a Deus com ardentíssimas
preces que auxilie esta causa e dê a paz.
Se, porém, no que
diz respeito aos demais eleitores, príncipes e ordens, que constituem
a outra parte, esse tratamento da causa não se processar segundo
o teor do edito de Vossa Majestade Imperial, e ficar sem fruto, nós
outros em todo o caso deixamos o testemunho de que nada retemos que de
algum modo possa conduzir a que se efetue uma concórdia cristã
possível de fazer-se com Deus e de boa consciência, como
também Vossa Majestade Imperial, e bem assim os demais eleitores
e ordens do Império, e quantos forem movidos por sincero amor e
zelo pela religião, quantos derem ouvidos a essa causa com equanimidade,
dignar-se-ão, bondosamente, a reconhecer e entender dessa Confissão
nossa e dos nossos.
Como Vossa Majestade Imperial
também bondosamente significou, não uma, senão muitas
vezes, aos eleitores, príncipes e ordens do Império, e na
Dieta de Espira, celebrada em 1526 A.D., fez que fosse lido e proclamado,
de acordo com a forma dada e prescrita de Vossa imperial instrução,
que Vossa Majestade Imperial, nesse assunto de religião, por certas
razões, que então foram alegadas, não queria decidir,
mas queria empenhar-se junto ao Romano Pontífice a favor da reunião
de um concílio, conforme também essa questão foi
mais amplamente exposta, faz um ano, na próxima-passada Dieta de
Espira, onde Vossa Majestade Imperial, por intermédio do Governante
FernandoJ, rei da Boêmia e da Hungria, clemente amigo e senhor nosso,
e além disso através do embaixador e dos comissários
imperiais, fez que, entre outras coisas, fosse apresentado, segundo a
instrução, o seguinte: que Vossa Majestade Imperial notara
e ponderara a resolução do representante de Vossa Majestade
Imperial no Império, bem como do presidente e dos conselheiros
do regime imperial, e dos legados de outras ordens que se reuniram em
RatisbonaK, concernente à reunião de um concílio
geral, e que Vossa Majestade Imperial, outrossim, julgara que seria útil
reunir um concílio, e que Vossa Majestade Imperial não duvidou
de que seria possível induzir o Pontífice Romano a celebrar
um concílio geral, porquanto as questões que então
eram tratadas entre Vossa Majestade Imperial e o Romano Pontífice
avizinhavam-se de uma concórdia e reconciliação cristã.
Por isso Vossa Majestade Imperial bondosamente significava que se empenharia
no sentido de que o Romano Pontífice consentisse, o quanto antes
possível, em congregar tal concílio, através da emissão
de cartas.
Se, pois, o resultado
for tal, que essas dissensões não sejam compostas amigavelmente
entre nós e a outra parte, oferecemos aqui, de superabundância,
em toda obediência perante Vossa Majestade Imperial, que haveremos
de comparecer e defender a causa em tal concílio geral, cristão
e livre, para cuja reunião sempre tem havido, em razão de
gravíssimas deliberações, em todas as convenções
imperiais celebradas durante os anos de reinado de Vossa Majestade Imperial,
magno consenso da parte dos eleitores, príncipes e ordens do Império.
Para esse concílio e para Vossa Majestade Imperial mesmo já
anteriormente apelamos da maneira devida e na forma da lei, nessa questão,
incontestavelmente a maior e mais grave. A essa apelo continuamos a aderir.
E não intentamos nem podemos abandoná-lo, por este ou outro
documento, a menos que a causa fosse amigavelmente ouvida e levada a uma
concórdia cristã, de acôrdo com o teor da citação
imperial. Quanto a isso, também aqui testificamos publicamente.
A
CONFISSÃO DE AUGSBURGO
- 25 DE JUNHO DE 1530 -
Artigo 1: DE DEUS
Em primeiro lugar, ensina-se
e mantém-se, unanimemente, de acordo com o decreto do Concílio
de Nicéia, [1] que há uma só essência [2] divina,
que é chamada Deus e verdadeiramente é Deus. E todavia há
três pessoas nesta única essência divina, igualmente
poderosas, igualmente eternas, Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito
Santo, todas três uma única essência divina, eterna,
indivisa, infinita, de incomensurável poder, sabedoria e bondade,
um só criador e conservador de todas as coisas visíveis
e invisíveis. E com a palavra persona se entende não uma
parte, não uma propriedade em outro, mas aquilo que subsiste por
si mesmo, conforme os Pais usaram esse termo nessa questão. [3]
Rejeitam-se, por isso,
todas as heresias que são contrárias a esse artigo, como
os maniqueus, [4] que afirmaram a existência de dois deuses, um
bom e um mau; também os valentinianos, [5] arianos, [6] eunomianos,
[7] maometanos [8] e todas as similares, também os samosatenos,
[9] os antigos e os novos, [10] que afirmam uma só pessoa e sofismam
acerca do Verbo e do Espírito Santo, dizendo não serem pessoas
distintas, porém que Verbo significa palavra ou voz física,
e que o Espírito Santo é movimento criado em suas criaturas.
ARTIGO 2: DO PECADO
ORIGINAL [11]
Ensina-se, outrossim,
entre nós que depois da queda de Adão todos os homens naturalmente
nascidos [12] são concebidos e nascidos em pecado, isto é,
que desde o ventre materno todos estão plenos de concupiscência
e inclinação más, e por natureza não podem
ter verdadeiro temor de Deus e verdadeira fé em Deus. Também,
que essa inata pestilência e pecado hereditário verdadeiramente
é pecado e condena à eterna ira de Deus a quantos não
renascem pelo batismo e pelo Espírito Santo.
Condenam-se, além
disso, os pelagianos [13] e outros [14] que não consideram pecado
ao hereditário, com o que tornam a natureza justa por virtudes
naturais, para ignomínia da paixão e do mérito de
Cristo.
ARTIGO 3: DO FILHO
DE DEUS
Ensina-se, além
disso, que Deus Filho se fez homem, nascido da pura [15]Virgem Maria,
e que as duas naturezas, a divina e a humana, inseparavelmente unidas
em uma única pessoa, [16] são um só Cristo, que é
verdadeiro Deus e verdadeiro homem, que verdadeiramente nasceu, padeceu,
foi crucificado, morreu e foi sepultado, a fim de ser oblação
não só pelo pecado hereditário, mas ainda por todos
os outros pecados, e para aplacar a ira de Deus. Ensina-se, outrossim,
que o mesmo Cristo desceu ao inferno, no terceiro dia ressurgiu verdadeiramente
dos mortos, subiu ao céu e está sentado à destra
de Deus, para dominar eternamente sobre todas as criaturas e governá-las,
a fim de santificar, purificar, fortalecer e consolar, pelo Espírito
Santo, a quantos nele crêem, dar-lhes também vida e toda
sorte de dons e bens, e proteger e defendê-los contra o diabo e
o pecado. Também se ensina que o mesmo Cristo Senhor, conforme
o Symbolum Apostolorum, [17] no fim virá visivelmente,
para julgar os vivos e os mortos. etc.
ARTIGO 4: DA JUSTIFICAÇÃO
Ensina-se também
que não podemos alcançar remissão do pecado e justiça
diante de Deus por mérito, obra e satisfação nossos,
porém que recebemos remissão do pecado e nos tornamos justos
diante de Deus pela graça, por causa de Cristo, mediante a fé,
quando cremos que Cristo padeceu por nós e que por sua causa os
pecados nos são perdoados e nos são dadas justiça
e vida eterna. Pois Deus quer considerar e atribuir essa fé como
justiça diante de si, conforme diz São Paulo em Romanos
3 e 4. [18]
ARTIGO 5: DO OFÍCIO
DA PREGAÇÃO [19]
Para conseguirmos essa
fé, instituiu Deus o ofício da pregação, dando-nos
o evangelho e os sacramentos, pelos quais, como por meios, dá o
Espírito Santo, que opera a fé, onde e quando lhe apraz,
naqueles que ouvem o evangelho, o qual ensina que temos, pelos méritos
de Cristo, não pelos nossos, um Deus gracioso, se o cremos.
Condenam-se os anabatistas
e outros que ensinam alcançarmos o Espírito Santo mediante
preparação, pensamentos e obras próprias, sem a palavra
física do evangelho. [20]
ARTIGO 6: DA NOVA
OBEDIÊNCIA
Ensina-se ainda que essa
fé deve produzir bons frutos e boas obras, e que, por amor de Deus,
se deve praticar toda sorte de boas obras por ele ordenadas,21 não
se devendo, porém, confiar nessas obras, como se por elas se merecesse
graça diante de Deus. Pois é pela fé em Cristo que
recebemos perdão dos pecados e justiça, como diz o próprio
Cristo: "Depois de haverdes feito tudo isso, deveis dizer: Somos
servos inúteis."22 Assim também ensinam os Pais. Pois
Ambrósio diz: "Assim está estabelecido por Deus que
aquele que crê em Cristo é salvo, e tem a remissão
dos pecados não por obras, mas pela fé somente, sem mérito".
ARTIGO 7: DA IGREJA
Ensina-se também
que sempre haverá e permanecerá uma única santa igreja23
cristã, que é a congregação24 de todos os
crentes, entre os quais o evangelho é pregado puramente e os santos
sacramentos são administrados de acordo com o evangelho.
Porque para a verdadeira
unidade da igreja cristã é suficiente que o evangelho seja
pregado unanimemente25 de acordo com a reta compreensão dele e
os sacramentos sejam administrados em conformidade com a palavra de Deus.
E para a verdadeira unidade da igreja cristã não é
necessário que em toda a parte se observem cerimônias uniformes
instituídas pelos homens.26 É como diz Paulo em Efésios
4: "Há somente um corpo e um Espírito, como também
fostes chamados numa só esperança da vossa vocação;
há um só Senhor, uma só fé, um só batismo."27
ARTIGO 8: QUE
É A IGREJA
Além disso, ainda
que a igreja cristã, propriamente falando, outra coisa não
é senão a congregação de todos os crentes
e santos, todavia, já que nesta vida continuam entre os piedosos
muitos falsos cristãos e hipócritas, também, pecadores
manifestos, os sacramentos nada obstante são eficazes, embora os
sacerdotes que os administram não sejam piedosos. Conforme o próprio
Cristo indica: "Na cadeira de Moisés estão sentados
os fariseus, etc."28
São condenados,
por isso, os donatistas29 e todos os outros que pensam de maneira diversa.
ARTIGO 9: DO BATISMO
Do batismo se ensina que
é necessário e que por ele se oferece graça; que
também se devem batizar crianças, as quais, pelo batismo,
são entregues a Deus e a ele se tornam agradáveis.
Por essa razão
se rejeitam os anabatistas, os quais ensinam que o batismo infantil não
é correto.
ARTIGO 10: DA
SANTA CEIA
Da ceia do Senhor se ensina
que o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue de Cristo estão verdadeiramente
presentes na ceia30 sob31 a espécie do pão e do vinho32
e são nela distribuídos e recebidos. Por isso também
se rejeita a doutrina contrária.
ARTIGO 11: DA
CONFISSÃO
Da confissão se
ensina que se deve conservar a privata absolutio,33 não a deixando
cair em desuso na igreja, ainda que na confissão é desnecessário
enumerar todos os maus feitos e pecados, porque tal nem é possível.
Salmo 18: "Quem conhece os delitos?"34
ARTIGO 12: DO
ARREPENDIMENTO
Do arrependimento se ensina
que os que pecaram depois do batismo, recebem perdão dos pecados
a qualquer tempo em que cheguem ao arrependimento, não lhes devendo
a igreja negar a absolvição. Agora, arrependimento verdadeiro,
autêntico, propriamente outra coisa não é que sentir
contrição e pesar ou terror por causa do pecado e todavia
crer ao mesmo tempo no evangelho e na absolvição, isto é,
crer que o pecado foi perdoado e que por Cristo foi obtida a graça,
fé essa que volta a consolar e serenar o coração.
Deve seguir-se a melhora de vida e o abandono do pecado; pois esses devem
ser os frutos do arrependimento, como diz João Mt 3: "Produzi,
pois, fruto digno do arrependimento."35
Aqui se rejeitam os que
ensinam não poderem voltar a cair aqueles que já uma vez
se tornaram piedosos.36
Condenam-se também
os novacianos,37 que negavam a absolvição aos que haviam
pecado depois do batismo.
Rejeitam-se, outrossim,
os que não ensinam alcançar-se perdão dos pecados
mediante a fé, e sim por nosso satisfazer.
ARTIGO 13: DO
USO DOS SACRAMENTOS
Com respeito ao uso dos
sacramentos se ensina que foram instituídos não somente
para serem sinais por que se possam conhecer exteriormente os cristãos,
mas para serem sinais e testemunhos da vontade divina para conosco, com
o fim de que por eles se desperte e fortaleça a nossa fé.
Essa também a razão por que exigem fé, sendo usados
corretamente quando a gente os recebe em fé e com isso fortalece
a fé. [38]
ARTIGO 14: DA
ORDEM ECLESIÁSTICA [39]
Da ordem eclesiástica
se ensina que sem chamado regular, [40] ninguém deve publicamente
ensinar ou pregar ou administrar os sacramentos na igreja.
ARTIGO 15: DAS
ORDENAÇÕES ECLESIÁSTICAS
Das ordenações
eclesiásticas estabelecidas por homens se ensina observar aquelas
que possam ser observadas sem pecado e contribuam para a paz e a boa ordem
na igreja, como, por exemplo, certos dias santos,41 festas e coisas semelhantes.
Esclarecemos, porém, que não se devem onerar as consciências
com essa coisas, como se fossem necessárias para a salvação.
Ensina-se, ademais, que todas as ordenanças e tradições
feitas pelo homem com o propósito de por elas reconciliar-se a
Deus e merecer graça são contrárias ao evangelho
e à doutrina da fé em Cristo. Razão por que votos
monásticos e outras tradições concernentes a distinção
de alimentos, dias, etc. pelas quais se pensa merecer graça e satisfazer
por pecados, são inúteis e contrários ao evangelho.
ARTIGO 16: DA
ORDEM POLÍTICA [42] E DO GOVERNO CIVIL
Da ordem política
e do governo civil se ensina que toda autoridade no mundo e todos os governos
e leis ordenados são ordenações boas, criadas e instituídas
por Deus, e que cristãos podem, sem pecado, ocupar o cargo de autoridade,
de príncipe e de juiz, proferir sentença e julgar segundo
as leis imperiais e outras leis em vigor, punir malfeitores com a espada,
fazer guerras justas, combater, comprar e vender, fazer juramentos requeridos,43
possuir propriedade, casar, etc.
Aqui são condenados
os anabatistas, os quais ensinam que nenhuma das coisas supramencionadas
é cristã.
Condenam-se, outrossim,
aqueles que ensinam ser perfeição cristã abandonar
fisicamente casa e lar, mulher e filhos, e renunciar as coisas citadas,
quando o fato é que apenas verdadeiro temor de Deus e verdadeira
fé constituem a perfeição autêntica. Pois o
evangelho não ensina uma forma de vida e justiça exteriores,
temporais, senão uma interior e eterna vida e justiça do
coração,44 e não abole o governo civil, a ordem política
e o casamento, querendo, ao contrário, que se guarde tudo isso
como genuína ordem divina e que cada qual, de acordo com sua vocação,
mostre, em tais ordenações, amor cristão e obras
verdadeiramente boas. Por isso os cristãos têm o dever de
estar sujeitos à autoridade e de obedecer-lhe aos mandamentos e
leis em tudo o que não envolva pecado. Porque se não é
possível obedecer à ordem da autoridade sem pecar, mais
importa obedecer a Deus do que aos homens. Atos 5.45
ARTIGO 17: DA
VOLTA DE CRISTO PARA O JUÍZO
Também se ensina
que nosso Senhor Jesus Cristo voltará no último dia para
julgar, e que ressuscitará todos os mortos, dará aos crentes
e eleitos vida e alegria eternas, porém condenará os homens
ímpios e os demônios ao inferno e castigo eterno.
Rejeitam, por isso, os
anabatistas, os quais ensinam que os diabos e os homens condenados não
sofrerão dor e tormento eternos.46
Aqui se rejeitam, outrossim,
algumas doutrinas judaicas que também ao presente se manifestam
e segundo as quais antes da ressurreição dos mortos um grupo
constituído integralmente de santos e piedosos terá um reino
terrestre e aniquilará todos os ímpios.
ARTIGO 18: DO
LIVRE ARBÍTRIO
Quanto ao livre arbítrio
se ensina que o homem tem até certo ponto livre arbítrio
para viver exteriormente de maneira honesta e escolher entre aquelas coisas
que a razão compreende. Todavia, sem a graça, o auxílio
e a operação do Espírito Santo o homem é incapaz
de ser agradável a Deus, temê-lo de coração,
ou crer, ou expulsar do coração as más concupiscências
inatas. Isso, ao contrário, é feito pelo Espírito
Santo, que é dado pela palavra de Deus. Pois Paulo diz em 1 Coríntios
2: "O homem natural nada entende do Espírito de Deus".47
E para que se possa reconhecer
que nisso não se ensina novidade, eis aí as claras palavras
de Agostinho a respeito do livre arbítrio, aqui citadas do livro
III do Hypognosticon: "Confessamos que em todos os homens há
um livre arbítrio, pois todos têm entendimento e razão
naturais, inatos. Não no sentido de que sejam capazes de algo no
que concerne a Deus, como, por exemplo, amar e temer a Deus de coração.
Somente em obras externas desta vida têm liberdade para escolher
coisas boas ou más. Por obras boas entendo as de que é capaz
a natureza, tais como trabalhar ou não no campo, comer, beber,
visitar ou não um amigo, vestir-se ou despir-se, edificar, tomar
esposa, dedicar-se a um ofício ou fazer alguma outra coisa proveitosa
e boa. Tudo isso, entretanto, não é nem subsiste sem Deus;
ao contrário: dele e por ele são todas as coisas. Por outro
lado pode o homem também praticar por escolha própria o
mal, como, por exemplo, ajoelhar-se diante de um ídolo, cometer
homicídio, etc."
ARTIGO 19: DA
CAUSA DO PECADO
Com respeito à
causa do pecado ensina-se entre nós que, embora o Deus onipotente
haja criado a natureza toda e a conserve, todavia é a vontade pervertida
que opera o pecado em todos os maus e desprezadores de Deus. Pois esta
é a vontade do diabo e de todos os ímpios, a qual, tão
logo Deus retraiu a mão, desviou-se de Deus para o mal, conforme
diz Cristo Jo 8: "Quando o diabo profere a mentira, fala do que lhe
é próprio."48
ARTIGO 20: DA
FÉ E DAS BOAS OBRAS
Os nossos são acusados
falsamente de proibirem boas obras. Pois os seus escritos sobre os Dez
Mandamentos bem como outros escritos49 provam que deram bom e útil
ensino e admoestação a respeito de estados e obras cristãos
verdadeiros, de que pouco se ensinou antes de nosso tempo. Insistia-se,
ao contrário, em todos os sermões principalmente em obras
pueris e desnecessárias, tais como rosários, culto de santos,
vida monástica, romarias, jejuns e dias santos prescritos, confrarias,
etc. Também o nosso oponente já não exalta essas
obras desnecessárias tanto quanto antigamente. Além disso,
também aprenderam a falar agora da fé, sobre a qual nada
pregaram em tempos anteriores. Agora, contudo, ensinam que não
nos tornamos justos diante de Deus unicamente por obras, mas acrescentam
a fé em Cristo, e dizem que a fé e as obras nos tornam justos
diante de Deus. Essa doutrina pode trazer um pouco mais consolo do que
quando apenas se ensina confiar em obras.
Visto, pois, que a doutrina
da fé, que é o artigo principal no cristianismo, foi negligenciada
por tempo tão longo, como é forçoso confessar, havendo-se
pregado apenas doutrina de obras por toda a parte, os nossos deram a seguinte
instrução a respeito:
Em primeiro lugar, que
nossas obras não nos podem reconciliar com Deus e obter graça;
isso, ao contrário, sucede apenas pela fé, quando cremos
que os pecados nos são perdoados por amor de Cristo, o qual, ele
só, é o mediador que pode reconciliar o Pai.50 Agora, quem
pensa realizar isso mediante obras e imagina merecer a graça, esse
despreza a Cristo e procura seu próprio caminho a Deus, contrariamente
ao evangelho.
Essa doutrina respeito
à fé é tratada aberta e claramente por Paulo em muitas
passagens, de modo especial em Efésios 2: "Pela graça
fostes salvos, mediante a fé; e isso não vem de vós,
porém é dom de Deus; não de obras, para que ninguém
se glorie, etc."51
E que aqui não
se introduziu interpretação nova é coisa que se pode
provar com Agostinho, que trata essa questão diligentemente e também
ensina assim, a saber, que alcançamos a graça e nos tornamos
justos diante de Deus por intermédio da fé em Cristo e não
por obras, conforme mostra todo o seu livro De spiritu et litera.
Conquanto essa doutrina
seja muito desprezada entre pessoas não experimentadas, verifica-se,
todavia, que é muito consoladora e salutar para as consciências
tímidas a apavoradas. Porque a consciência não pode
alcançar descanso e paz mediante obras, porém somente pela
fé, quando chega à segura conclusão pessoal de que
por amor de Cristo possui um Deus gracioso, conforme também diz
Paulo Rm 5: "Justificados mediante a fé, temos descanso e
paz com Deus".52
Em sermões de outrora
não se promoveu esse consolo, porém se impeliram as pobres
consciências para as próprias obras, e se empreenderam diversas
espécies de obras. A alguns a consciência impeliu para os
mosteiros, na esperança de que lá poderiam granjear graça
mediante vida monástica. Alguns excogitaram outras obras com o
propósito de merecer graça e satisfazer por pecados. A experiência
de muitos deles foi não haverem alcançado a paz mediante
essas coisas. Razão por que foi necessário pregar essa doutrina
da fé em Cristo e dela tratar diligentemente, a fim de que se soubesse
que é somente pela fé, sem mérito, que se apreende
a graça de Deus.
Dá-se, outrossim,
instrução para mostrar que aqui não se fala da fé
possuída também pelos demônios e os ímpios,
os quais também crêem os relatos53 que contam haver Cristo
padecido e que ressuscitou de entre os mortos; fala-se, ao contrário,
da fé verdadeira, que crê alcançarmos por Cristo a
graça e a remissão dos pecados.
Aquele que sabe que por
Cristo possui um Deus gracioso, esse conhece a Deus, o invoca, e não
está sem Deus, como os gentios. Porque demônios e ímpios
não crêem nesse artigo da remissão dos pecados. Por
isso é que são inimigos de Deus, não o podem invocar,
e nada de bom podem esperar dele. A Escritura fala sobre a fé no
sentido que acabamos de indicar, e não entende por fé um
conhecimento que demônios e homens ímpios têm. Pois
em Hebreus 11 ensina-se, com respeito à fé, que crer não
é apenas conhecer a história, mas ter confiança em
Deus e receber sua promessa.54 E Agostinho também nos lembra que
devemos entender a palavra "fé", na Escritura, como significando
confiança em Deus de que nos é clemente, não apenas
conhecer tais notícias históricas que também os demônios
conhecem.55
Ensina-se, ademais, que
boas obras devem e têm de ser feitas,56 não para que nelas
se confie a fim de merecer graça, mas por amor de Deus e em seu
louvor. Sempre é a fé somente que apreende a graça
e o perdão dos pecados. E visto que pela fé é dado
o Espírito Santo, o coração também se torna
apto para praticar boas obras. Porque antes, enquanto está sem
o Espírito Santo, é demasiadamente fraco. Além disso,
está no poder do diabo, que impele a pobre natureza humana a muitos
pecados, como vemos nos filósofos que se lançaram à
empresa de viver vida honesta e irrepreensível e contudo não
conseguiram realizá-lo, porém caíram em muitos pecados
graves e manifestos. É o que acontece ao homem quando está
sem a fé verdadeira e sem o Espírito Santo e se governa
apenas pela própria força humana.
Por isso não se
deve fazer a essa doutrina concernente à fé a censura de
que proíbe boas obras; antes de ser louvada por ensinar que se
façam boas obras57 e oferecer auxílio quanto a como se possa
chegar a praticá-las. Pois que sem a fé e sem Cristo a natureza
e capacidade humanas são por demais frágeis para praticar
boas obras, invocar a Deus, ter paciência no sofrimento, amar o
próximo, exercer com diligência ofícios ordenados,
ser obediente, evitar maus desejos, etc. Tais obras elevadas e autênticas
não podem ser feitas sem o auxílio de Cristo, conforme ele
mesmo diz em Jo 15: "Sem mim nada podeis fazer."58
ARTIGO 21: DO
CULTO AOS SANTOS
Do culto aos santos os
nossos ensinam que devemos lembrar-nos deles, para fortalecer a nossa
fé ao vermos como receberam graça e foram ajudados pela
fé; e, além disso, a fim de que tomemos exemplo de suas
boas obras, cada qual de acordo com sua vocação, assim como
Sua Majestade Imperial pode seguir, salutar e piedosamente, o exemplo
de Davi, fazendo guerra ao turco;59 pois ambos estão investidos
em ofício real, que exige protejam e defendam os seus súditos.
Entretanto, não se pode provar pela Escritura que se devem invocar
os santos ou procurar auxílio junto a eles. "Porquanto há
um só reconciliador e mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo,"
1 Tm 2,60 o qual é o único Salvador, o único Sumo
Sacerdote, Propiciatório e Advogado diante de Deus Rm 8.61 E somente
ele prometeu que quer atender a nossa prece. E buscar e invocar de coração
a esse Jesus Cristo em todas as necessidades e preocupações
também é o culto divino mais elevado segundo a Escritura:
"Se alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo,
o justo, etc."62
Esta63 é, aproximadamente,64
a suma da doutrina que é pregada e ensinada em nossas igrejas,
para correta instrução cristã e consolo das consciências,
e para melhora dos crentes. Pois que de modo nenhum vamos querer pôr
as nossas próprias almas e consciências diante de Deus no
mais sério, no maior dos perigos, mediante abuso do nome ou da
palavra de Deus, nem deixar ou herdar aos nossos filhos e descendentes
doutrina diversa da que concorda com a palavra pura, divina, e com a verdade
cristã. Visto, pois, que essa doutrina se fundamenta claramente
na Sagrada Escritura, e além disso não é contrária
nem se opõe à igreja cristã universal, e, na verdade,
tampouco à Igreja Romana,65 quanto se pode coligir dos escritos
dos Pais,66 pensamos também que os nossos oponentes não
podem estar em desacordo conosco nos artigos acima indicados. Agem, por
isso, de maneira totalmente inamistosa, precipitada e contrariamente a
toda unidade e amor cristãos aqueles que por essa razão
empreendem, sem qualquer fundamento sólido em preceito ou Escritura
divina, separar, rejeitar e evitar os nossos como hereges. Porque o distúrbio67
e a dissensão dizem respeito precipuamente a algumas tradições
e abusos. Portanto, já que nos artigos principais não há
ausência de fundamento ou defeito perceptíveis,68 e sendo
esta nossa confissão divina e cristã, deveriam os bispos,
justiçosamente, mostrar-se mais brandos, ainda que falha houvesse
entre nós com respeito à tradição, muito embora
esperemos apresentar sólido fundamento e causa quanto à
razão por que entre nós houve mudança relativamente
a algumas tradições e abusos.
Artigos sobre os quais
há divergências e em que se recenseiam os abusos que foram
corrigidos
Visto, pois, que em nossas
igrejas nada69 se ensina sobre os artigos da fé que seja contrário
à Sagrada Escritura ou à igreja cristã universal,70
havendo-se apenas corrigido alguns abusos, que, em parte, se introduziram
por si mesmos com o correr do tempo, e em parte foram estabelecidos à
força, vemo-nos obrigados a recenseá-los e a indicar a razão
por que nestes casos se admitiu modificação, a fim de que
a Majestade Imperial possa ver que não se procedeu aqui de maneira
não-cristã ou petulante,71 porém que fomos compelidos
a permitir tal modificação pelo mandamento de Deus, que
com justiça se há de respeitar mais do que qualquer costume.
ARTIGO 22: DAS
DUAS ESPÉCIES DO SACRAMENTO
Aos leigos são
dadas entre nós ambas as espécies do sacramento, porque
é clara ordem e mandamento de Cristo Mt 26:72 "Bebei dele
todos." Cristo aí ordena com palavras claras, a respeito do
cálice, que todos bebam dele.
E para que ninguém
pudesse questionar essas palavras e glosá-las como se73 pertencesse
somente aos sacerdotes, Paulo74 mostra, em 1 Co 11, que toda a assembléia
da igreja corintíaca usou de ambas as espécies. E esse uso
continuou por longo tempo na igreja, conforme se pode provar com a história
e os escritos dos Pais.75 Cipriano76 menciona em muitos lugares que naquele
tempo se dava o cálice aos leigos. E São Jerônimo
diz que os sacerdotes que administram o sacramento distribuem ao povo
o sangue de Cristo.77 O próprio Papa Gelásio ordena que
não se divida o sacramento Distinct . 2 . De consecratione cap.
Comperimus.78 Também não se encontra em parte nenhuma79
um cânone que ordene se receba apenas uma das espécies. E
ninguém pode saber quando ou por quem foi introduzido esse costume
de receber uma só espécie, ainda que o Cardeal Cusano menciona
o tempo em que esse uso teria sido aprovado. Agora, é manifesto
que tal costume, introduzido contrariamente ao preceito de Deus, bem como
contrariamente aos cânones antigos, é incorreto. Razão
por que foi impróprio onerar as consciências daqueles que
desejaram fazer uso do santo sacramento de acordo com a instituição
de Cristo, e coagi-los a procederem contrariamente à ordenação
de Cristo Senhor nosso. E visto ser a divisão do sacramento contrária
à instituição de Cristo, omite-se também entre
nós a costumeira procissão com o sacramento.80
ARTIGO 23: DO
MATRIMÔNIO DOS SACERDOTES
Houve no mundo entre todos,
quer de alto, quer de baixo estado, magna e poderosa queixa a respeito
de grande incontinência e procedimento e vida dissolutos dos sacerdotes
que não foram capazes de se manterem continentes, e, na verdade,
se alcançara o auge com tais vícios terríveis. Para
evitar tanto escândalo feio e grande, adultério e outra impudicícia,
alguns sacerdotes entre nós entraram no estado matrimonial. Com
razão indicam que a isso foram impelidos e movidos por grande aflição
de suas consciências, à vista do fato de a Escritura testemunhar
claramente que o estado matrimonial foi instituído pelo Senhor
Deus para evitar impureza, como diz Paulo: "Por causa da impureza,
cada um tenha a sua própria esposa."81 Também: "É
melhor casar do que viver abrasado."82 E Cristo, ao dizer, em Mt
19: "Nem todos captam essa palavra",83 indica, ele que bem sabia
qual a situação do homem, que poucas pessoas têm o
dom da castidade. "Pois Deus criou o ser humano como homem e mulher"
Gênesis 1.84 Se está ou não no poder ou capacidade
do homem melhorar ou modificar, sem especial dom e graça de Deus,
por resolução ou voto próprios, a criação
de Deus, a excelsa Majestade, decidiu-o muito claramente a experiência.
Qual o bem, que vida honrosa e casta, que conduta cristã, honesta
ou íntegra daí resultou no caso de muitos, quão terrível
e pavoroso desassossego e tormento de consciência muitos tiveram
no fim da vida por causa disso, é coisa manifesta, e muitos dentre
eles o confessaram pessoalmente. Como, pois, a palavra e o mandamento
de Deus não podem ser alterados por nenhum voto ou lei humanos,
por essas e outras razões e causas os sacerdotes e outros clérigos
casaram.
Também se pode
provar com a história e os escritos dos Pais que na igreja cristã
antiga houve o costume de os sacerdotes e diáconos casarem.85 Diz
Paulo, em vista disso 1 Tm 3: "É necessário, portanto,
que o bispo seja irrepreensível, esposo de uma só mulher".86
E faz apenas quatrocentos anos que na Alemanha os sacerdotes foram compelidos
à força a deixarem o matrimônio e fazerem voto de
castidade. Todos se opuseram a isso com tamanha seriedade e rijeza, que
um arcebispo de Mogúncia, o qual publicara o novo edito papal a
respeito, quase foi morto no tumulto de uma revolta de todo o corpo sacerdotal.87
E aquela proibição logo no começo foi efetivada com
tanta rapidez e impropriedade, que o papa, ao tempo, não só
proibiu o matrimônio de sacerdotes para o futuro, mas ainda rompeu
o casamento daqueles que havia muito já estavam nesse estado, o
que não é apenas contrário a todo direito, divino,
natural e civil, mas também inteiramente oposto e contrário
aos cânones estabelecidos pelos próprios papas, bem como
aos mais renomados concílios.88
Também se tem ouvido
freqüentes vezes muitas pessoas eminentes, devotas e sensatas expressarem
opiniões e receios similares: que tal celibato obrigatório
e privação do matrimônio, que o próprio Deus
instituiu e deixou livre ao homem, nunca produziu qualquer bem, mas introduziu
muitos vícios grandes e malignos e muitas maldades. Até
um dos papas, Pio II, conforme mostra sua biografia, muitas vezes disse
- e permitiu que lhe fossem atribuídas - estas palavras: que pode
haver algumas razões por que seja o matrimônio proibido aos
clérigos; mas que havia razões muito mais elevadas, muito
maiores e muito mais importantes por que novamente se lhes devia deixar
livre o matrimônio.89 Sem dúvida nenhuma, o Papa Pio, como
homem ajuizado e sábio, falou essa palavra por causa de grave receio.90
Queremos, por isso, em
submissão à Majestade Imperial, confiar que Sua Majestade,
como imperador cristão, digno de alto louvor, graciosamente levará
em conta que ao presente, nesses últimos tempos e dias, de que
faz menção a Escritura, o mundo se tornará cada vez
pior e os homens sempre mais infirmes e frágeis.
Por isso é muito
necessário, útil e cristão fazer esse exame cuidadoso,
a fim de não suceder que, proibido o casamento, se alastrem piores
e mais vergonhosas impudicícias e vícios nas terras germânicas.
Pois que sem dúvida ninguém será capaz de alterar
ou fazer essas coisas mais sabiamente ou melhor que o próprio Deus,
que instituiu o matrimônio, para socorrer a fragilidade humana e
prevenir a impureza.
Assim também os
antigos cânones dizem que de vez em quando se deve abrandar e relaxar
a severidade e o rigor,91 por causa da fragilidade humana e a fim de acautelar
e atalhar coisas piores.
Ora, tal sem dúvida
seria cristão e mui necessário também no caso presente.
E que prejuízo poderia trazer para a igreja cristã universal
o matrimônio dos sacerdotes e do clero, especialmente o dos pastores
e de outros que devem servir a igreja ? A continuar por mais tempo essa
dura proibição do matrimônio, provavelmente haverá
falta de sacerdotes e pastores no futuro.
Estando, pois, fundamentado
na palavra e no mandamento de Deus isso de os sacerdotes e clérigos
poderem casar, e provando a história, além disso, que os
sacerdotes casavam, e havendo o voto de castidade produzido número
tão elevado de feios e incristãos92 escândalos, tanto
adultério, tão horrível e inaudita imoralidade e
vícios hediondos, que até alguns homens honestos de entre
os cônegos,93 bem como alguns cortesões94 de Roma, muitas
vezes reconheceram o fato e lastimosamente alegaram que tais vícios
in clero,95 por horrendos e desmedidos, haveriam de suscitar a ira de
Deus, é deplorável que o matrimônio cristão
não só tenha sido proibido, mas que em alguns lugares se
haja tido o atrevimento de castigá-lo sem demora, como se fosse
grande maldade, não obstante haver Deus ordenado na Sagrada Escritura
que se tenha em toda a honra o estado matrimonial. Da mesma forma é
o matrimônio grandemente exaltado no direito imperial e em todas
as monarquias em que houver leis e direito. Só96 em nosso tempo
é que se começa a martirizar as pessoas, apesar de inocentes,
apenas por causa de casamento, e acresce que se faz isso com sacerdotes,
que deveriam ser poupados acima de outros. E isto sucede não só
contrariamente ao direito divino, mas ainda em oposição
aos cânones. Paulo apóstolo 1 Tm 4 chama às doutrinas
que proíbem o casamento ensino de demônios.97 Assim o mesmo
Cristo diz Jo 8 que o diabo é homicida desde o princípio.98
Bem concordam as duas sentenças, por forma que realmente devem
ser ensinos de demônios proibir o casamento e atrever-se a manter
semelhante doutrina com derramamento de sangue.
Todavia, assim como nenhuma
lei humana pode abrir ou modificar o mandamento de Deus, da mesma forma
também nenhum voto pode alterar o preceito divino. Essa também
a razão de São Cipriano aconselhar deverem casar as mulheres
que não guardam a castidade jurada, e diz epist. 11 assim: "Se,
porém, não querem ou não podem guardar a castidade,
é melhor que casem do que caírem no fogo por sua volúpia.
E devem acautelar-se bem para não causarem nenhum escândalo
aos irmãos e irmãs.99
Ademais, todos os cânones
mostram grande leniência e eqüidade para com aqueles que fizeram
voto quando jovens. E foi na mocidade que a maioria dos sacerdotes e monges
acabou nesse estado, por ignorância.
ARTIGO 24: DA
MISSA
Injustamente são
ao nossos acusados de haverem abolido a missa. Pois é manifesto,
sem jactância, que a missa entre nós é celebrada com
maior devoção e seriedade que entre os adversários.
E as pessoas também são instruídas muitas vezes e
com o máximo zelo sobre o santo sacramento, para que foi instituído
e como deve ser usado, a saber, a fim de com ele consolar as consciências
atemorizadas, através do que o povo é atraído para
a comunhão e missa. Ao mesmo tempo também se dá instrução
contra outras, errôneas doutrinas concernentes ao sacramento. Não
houve, outrossim, modificação notável nas cerimônias
públicas da missa, à exceção do fato de em
alguns lugares se cantarem hinos alemães além dos latinos,
para instruir e exercitar o povo, já que a finalidade principal
de todas as cerimônias é que o povo delas aprenda o que lhe
é necessário saber de Cristo.
Antes de nosso tempo,
entretanto, a missa foi mal-usada de diversas maneiras, como é
notório, de tal sorte, que foi transformada em feira, havendo sido
comprada e vendida, e, na maior parte, celebrada em todas as igrejas por
causa do dinheiro. Homens eruditos e piedosos censuraram esse abuso repetidas
vezes, mesmo antes de nosso tempo. Depois que os pregadores entre nós
pronunciaram sermões a esse respeito e os sacerdotes foram advertidos
da terrível ameaça100 que deve com justiça101 mover
a todo cristão, a saber, que é réu do corpo e do
sangue de Cristo quem usar o sacramento indignamente,102 depois disso
essas missas comerciais e missas particulares,103 que até aqui
haviam sido celebradas compulsoriamente por causa do dinheiro e das prebendas,104
foram abolidas em nossas igrejas.
Ao mesmo tempo foi censurado
o terrível erro de se haver ensinado que Cristo, Senhor nosso,
mediante a sua morte satisfez apenas pelo pecado original e que instituiu
a missa como sacrifício pelos outros pecados, tendo-se, assim,
transformado a missa em sacrifício pelos vivos e pelos mortos,
sacrifício pelo qual se tirem pecados e se reconcilie a Deus. Disso,
ademais, resultou haver-se discutido se uma missa rezada por muitos merecia
tanto como dizer missas especiais para indivíduos. Daí é
que veio a grande, inumerável multiplicidade de missas, de forma
tal, que se quis com essa obra alcançar junto a Deus tudo quanto
se precisava. Entrementes, a fé em Cristo e o culto verdadeiro
ficaram esquecidos.
Houve, por isso, instrução
a respeito, como sem dúvida o exigia a necessidade, para que se
soubesse qual a maneira acertada de usar o sacramento. Em primeiro lugar,
a Escritura mostra, em muitos lugares, que pelo pecado original e por
outros pecados nenhum sacrifício há senão a só
morte de Cristo. Pois está escrito ad Hebraeos105 que Cristo se
ofereceu uma única vez, satisfazendo com esse sacrifício
por todos os pecados.106 É novidade de todo inaudita na doutrina
eclesiástica isso de que a morte de Cristo haja satisfeito somente
pelo pecado hereditário e não também por outros pecados.
É de se esperar, por isso, compreendam todos107 que esse erro não
foi censurado injustamente.
Em segundo lugar, São
Paulo ensina que alcançamos graça diante de Deus pela fé,
não por obras. Manifestamente contrário a isso é
o abuso da missa de pensar que se obtém graça mediante essa
obra. E é sabido que se usa a missa a fim de por ela remover pecados,
bem como para conseguir
Deus graça e toda
sorte de bens, não apenas o sacerdote para si mesmo, porém
ainda pelo mundo inteiro e por outros, vivos e mortos.
Em terceiro lugar, o santo
sacramento foi instituído não para com ele estabelecer um
sacrifício pelo pecado - pois o sacrifício já sucedeu
anteriormente - , mas a fim de que por ele se nos desperte a fé
e se consolem as consciências, as quais pelo sacramento percebem
que Cristo lhes promete a graça e a remissão dos pecados.
Razão por que esse sacramento requer fé, sendo em vão
seu uso sem fé.
Visto, pois, que a missa
não é sacrifício para tirar os pecados de outros,
vivos ou mortos, devendo, ao contrário, ser comunhão em
que o sacerdote e outros recebem o sacramento para si mesmos, observa-se
entre nós o costume de celebrar missa em dias santos, e, havendo
comungantes, em outros dias; e aqueles que o desejam são comungados.
De sorte que entre nós a missa é preservada em seu uso correto,
tal como foi observada na igreja em outros tempos, conforme se pode provar
com São Paulo 1 Co 11.108 e além disso pelos escritos de
muitos Pais. Crisóstomo informa como o sacerdote, diariamente,
fica em pé e convida uns à comunhão e a outros proíbe
que se aproximem. Também indicam os cânones antigos que um
oficiava e comungava os outros sacerdotes e diáconos. Pois assim
rezam as palavras no cânone niceno: Os diáconos, de acordo
com sua ordem, devem receber o sacramento depois dos sacerdotes, das mãos
do bispo ou do sacerdote.109
Já que nisso não
se introduziu, por conseguinte, nenhuma coisa nova, que não haja
existido na igreja desde tempos antigos, e visto que também não
houve modificação notável nas cerimônias públicas
da missa, excetuado o fato de as outras missas, desnecessárias,
rezadas, talvez110 por abuso, a de mais da missa paroquial,111 foram eliminadas,
não se deve, por justiça, condenar como herética
e não-cristã essa maneira de celebrar missa. Pois em tempos
passados, também nas igrejas grandes, onde havia gente, não
se rezava missa diariamente , nem mesmo nos dias em que o povo se reunia.
Conforme indica a Tripartita Histria lib. 9,112 em Alexandria, às
quartas e sextas-feiras, era lida e interpretada a Escritura, e realizavam-se
os demais atos de culto sem a celebração da missa.
ARTIGO 25: DA
CONFISSÃO
Os nossos pregadores não
aboliram a confissão. Pois conserva-se entre nós o costume
de não dar o sacramento àqueles que não foram previamente
examinados e absolvidos. Ao mesmo tempo se instrui diligentemente o povo
sobre o quanto é consoladora a palavra da absolvição
e em quão elevada estima se deve ter a absolvição.
Pois que não é voz ou palavra do homem que a pronuncia,113
senão palavra de Deus, o qual perdoa os pecados. Por que é
pronunciada em lugar de Deus e por ordem de Deus. No tocante a essa ordem
e poder das chaves ensina-se, com grande diligência, quanto é
consoladora e necessária para as consciências aterrorizadas.
Ensina-se, além disso, como Deus Exige que creiamos nessa absolvição,
não menos do que se a voz de Deus soasse do céu, e que alegremente
nos devemos consolar da absolvição e saber que por essa
fé alcançamos a remissão dos pecados. Em tempos passados
os pregadores, que ensinavam muito a respeito da confissão, não
mencionaram sequer uma palavrinha concernente a esses pontos necessários,
porém apenas martirizaram as consciências com longa enumeração
de pecados, com satisfações, indulgências, romarias
e coisas semelhantes. E muitos de nossos oponentes confessam eles mesmos
que escrevemos e tratamos do verdadeiro arrependimento cristão
mais apropriadamente do que se fez, anteriormente, por longo tempo.
E da confissão
se ensina assim: que ninguém deve ser constrangido a contar os
pecados designadamente.114 Porque isso é impossível, conforme
diz o Salmo: "Quem conhece os delitos?"115 E Jeremias diz: "Tão
maligno é o coração do homem, que não há
penetrar-lhe os segredos."116 A mísera natureza humana está
engolfada tão profundamente em pecados, que é incapaz de
ver ou conhecer a todos, e se fôssemos absolvidos apenas daqueles
que podemos enumerar, pouco nos ajudaria isso. Razão por que é
desnecessário constranger as pessoas a contarem os pecados nomeando-os
expressamente. Assim também pensaram os Pais, como se vê
em Dist. I de poenitentia, onde são citadas estas palavras de Crisóstomo:
"Não digo que te exponhas publicamente, nem que a ti mesmo
denuncies ou declares culpado junto a outrem, mas obedece ao profeta,
que diz: "Revela ao Senhor os teus caminhos."117 Por isso, além
de tua oração, confessa-te ao Senhor Deus, o verdadeiro
juiz: não diga os teus pecados com a língua, mas em tua
consciência."118 Aqui se vê claramente que Crisóstomo
não obriga a uma enumeração especificada dos pecados.
Também a Glossa in Decretis, de poenitentia, Dist. 5 ensina que
a confissão não é ordenada pela Escritura, porém
que foi instituída pela igreja.119 Os nossos pregadores, todavia,
ensinam diligentemente que a confissão deve ser conservada por
causa da absolvição - que é sua parte principal e
mais importante - , para consolo das consciências aterrorizadas,
e ainda por algumas outras razões.120
ARTIGO 26: DA
DISTINÇÃO DE COMIDAS
Em tempos anteriores ensinou-se,
pregou-se e escreveu-se que diferença de comidas e tradições
semelhantes instituídas por homens servem para merecer graça
e satisfazer pelos pecados.121 Por essa razão se excogitaram diariamente
novos jejuns, novas cerimônias, novas ordens e coisas semelhantes,
e nisso se insistiu com veemência e energia, como se tais coisas
fossem culto divino necessário pelo qual se merecesse graça
se a gente o observasse e como se sua inobservância constituísse
grande pecado. Disso resultaram muitos erros perniciosos na igreja.
Em primeiro lugar, com
isso se obscurecem a graça de Cristo e a doutrina da fé,
que o evangelho põe diante de nós com grande seriedade,
insistindo vigorosamente que se considere o mérito de Cristo como
algo de grande e precioso e se saiba que a fé em Cristo deve ser
posta muito acima de todas as obras. Por isso São Paulo batalhou
com veemência contra a lei de Moisés e as tradições
humanas, para aprendermos que diante de Deus não nos tornamos piedosos
mediante as nossas obras, porém somente pela fé em Cristo,
que alcançamos a graça por amor de Cristo. Essa doutrina
extinguiu-se quase que por completo com isso de se haver ensinado a merecer
graça por jejuns prescritos, distinção de manjares,
vestimenta, etc.
Em segundo lugar, tais
tradições também obscureceram os mandamentos de Deus,
pois foram colocadas muito acima dos preceitos divinos. Só se considerava
vida cristã isto: observar as festas dessa maneira, rezar dessa
maneira, jejuar dessa maneira, vestir-se dessa maneira. A isso é
que se chamava vida espiritual, cristã. Ao mesmo passo, outras
obras necessárias e boas eram consideradas coisa mundana, não-espiritual,
a saber, aquelas que cada qual deve fazer de acordo com sua vocação,
como, por exemplo, que o chefe de família trabalhe para sustentar
mulher e filhos e criá-los no temor de Deus, que a mãe de
família dê a luz filhos e zele por eles, que um príncipe
e magistrado governe o país e o povo, etc. Tais obras, ordenadas
por Deus, cumpria tê-las na conta de coisa secular e imperfeita.
As tradições, porém, tinham de ter o esplêndido
nome de serem as únicas obras santas e perfeitas. Razão
por que não havia limite nem fim quanto à feitura de tais
tradições.
Em terceiro lugar, essas
tradições se tornaram grande peso para as consciências.
Porque não era possível guardá-las todas, e o povo
todavia pensava que isso era culto divino necessário. Escreve Gérson
que muitos caíram em desespero com isso e alguns até cometeram
suicídio por não terem ouvido nenhum consolo da graça
de Cristo. Vê-se nos sumistas e teólogos como as consciências
eram confundidas. Meteram eles ombro à tarefa de coligir as tradições
e procuraram atenuantes para auxiliar as consciências. Tanto se
ocuparam com isso, que entrementes ficaram negligenciados todos os salutares
ensinamentos cristãos a respeito de coisas mais necessárias,
como, por exemplo, a fé, o consolo em tentações severas,
e coisas semelhantes. Também grande número de pessoas piedosas
e eruditas antes de nosso tempo queixaram-se muito de que tais tradições
causavam muita contenda na igreja e de que pessoas devotas eram impedidas
com isso de chegarem ao verdadeiro conhecimento de Cristo. Gérson
e alguns outros fizeram queixa veemente a esse respeito. Na verdade, também
desagradou a Agostinho o fato de as consciências haverem sido oneradas
com tantas tradições. Razão por que no assunto dá
instrução no sentido de que não se devem considerá-las
coisas necessárias.
Os nossos, por isso, não
ensinaram acerca dessas coisas por petulância ou desprezo da autoridade
espiritual: foi, isto sim, a grande necessidade que exigiu dessem instrução
concernente aos erros supramencionados, que surgiram de inteligência
errônea da tradição. Porque o evangelho obriga a urgir
na igreja a doutrina da fé, a qual, todavia, não pode ser
entendida quando se pensa merecer graça por obras de própria
escolha.
Ensina-se a esse respeito
que pela observância das mencionadas tradições humanas
não se pode merecer graça, ou reconciliar a Deus, ou satisfazer
pelo pecado. E por isso não se deve fazer delas culto divino necessário.
Para tanto citamos razões da Escritura. Em Mt 15122 Cristo escusa
os apóstolos quando não observaram tradições
costumeiras, e diz: "Em vão me adoram com preceitos humanos."123
Ora, se a isso chama de culto vão, não pode ser necessário.
E logo em seguida: "Não é o que entra pela boca o que
contamina o homem."124 Paulo também diz Rm 14: "O reino
de Deus não é comida nem bebida." 125 Cl 2: "Ninguém
vos julgue por causa de comida, bebida, sábados, etc."126
Diz Pedro em Atos 15: "Por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz
dos discípulos um jugo que nem nossos pais puderam suportar, nem
nós? Mas cremos que seremos salvos pela graça de nosso Senhor
Jesus Cristo, como também aqueles o foram."127 Aqui Pedro
proíbe onerar as consciências com mais cerimônias externas,
sejam de Moisés, sejam de outro. E em 1 Tm 4 interdições
tais como proibir comidas, proibir o casamento, etc. são chamadas
doutrinas de demônios.128 Pois é diametralmente oposto ao
evangelho instruir ou fazer semelhantes obras com o fim de por elas merecer
perdão dos pecados ou por pensar que ninguém pode ser cristão
em tal culto.
Agora, quanto ao fato
de aqui os nossos serem acusados de proibir mortificação
e disciplina, como fez Joviniano,129 colher-se-á coisa bem diversa
dos escritos deles. Pois com respeito à santa cruz sempre ensinaram
que os cristãos devem sofrer, e isto é mortificação
verdadeira, séria, que não inventada.
Ensinam, além disso,
que cada um deve haver-se de tal maneira com exercício corporal,
como jejum e outros labores, que não dê ocasião ao
pecado, não para merecer graça com tais obras. Esse exercício
corporal não deve ser praticado apenas em alguns dias determinados,
mas continuamente. Cristo fala disso em Lc 21: "Acautelai-vos por
vós mesmos, para que nunca vos suceda que os vossos corações
fiquem sobrecarregados com as conseqüências da orgia".130
Também: "Essa casta de demônios não pode ser
expulsa senão por meio de jejum e oração."131
E Paulo diz que esmurra o seu corpo e o reduz à obediência.132
Com isso indica que a mortificação não deve servir
para a finalidade de com ela merecermos graça, mas para manter
o corpo idôneo, a fim de que não impeça o que a cada
qual é ordenado fazer segundo a sua vocação. De sorte
que não se condena o jejum, mas isso de se haver feito dele um
culto necessário, com dias e comidas determinados, para confusão
das consciências.
Também se guardam
entre nós muitas cerimônias e tradições, como
a ordem da missa e outros cânticos, festas, etc., que servem para
manter ordem na igreja. Ao mesmo tempo, todavia, ensina-se ao povo que
esse culto divino externo não torna justo diante de Deus e que
se deve observá-lo sem onerar a consciência, por forma que,
se for omitido sem causar escândalo, não há nisso
pecado. Essa liberdade em cerimônias exteriores também foi
mantida pelos Pais antigos. Pois no Oriente a Páscoa era celebrada
em época diversa da de Roma. E como alguns quisessem considerar
essa diversidade como cisma na igreja, foram admoestado por outros de
que não era necessário observar uniformidade em tais costumes.
Ireneu diz o seguinte: "Diferença no jejum não rompe
a unidade da fé."133 Também na Dist. 12 está
escrito, no tocante a essa dessemelhança em ordenações
humanas, que ela não contraria a unidade da cristandade. E a Tripartita
Hist. lib. 9 colige muitos usos eclesiásticos desiguais e inclui
uma proveitosa sentença cristã: "Não foi intenção
dos apóstolos instituir dias santos, mas ensinar fé e amor."134
ARTIGO 27: DOS
VOTOS MONÁSTICOS
Para falar dos votos monásticos
é preciso que lembremos em primeiro lugar como se procedeu a esse
respeito até agora, que espécie de vida houve nos mosteiros,
e que muitas coisas se fizeram neles todos os dias não só
contrariamente à palavra de Deus, mas também ao direito
papal. Nos tempos de Santo Agostinho as ordens monásticas eram
livres. Depois, quando se corromperam a verdadeira disciplina e doutrina,
inventaram-se votos monásticos, e por meio deles se tentou restaurar
a disciplina, como que por cárcere planejado.
Além disso, adicionou-se
aos votos monásticos grande número de outras coisas, e com
tais cadeias e gravames foram carregados muitos, também antes da
idade apropriada.
Aconteceu outrossim que
muitas pessoas chegaram à vida monacal por ignorância. Ainda
que não eram demasiadamente jovens, todavia não mediram
nem entenderam suficientemente sua capacidade. Todos esses, enredados
e envolvidos dessa maneira, eram obrigados e compelidos a permanecer nessas
cadeias, não obstante o próprio direito papal conceder liberdade
a muitos deles. E isso foi mais duro em conventos de freiras do que nos
de frades, quando teria sido conveniente poupar as mulheres, como o sexo
frágil. Esse rigor e dureza também desagradaram em tempos
anteriores a muitas pessoas piedosas, pois certamente viam que meninos
e meninas eram metidos em mosteiros para fins de subsistência material.
Por certo viram, outrossim, quão mau foi o resultado dessa empresa,
que escândalos e opressão de consciências trouxe. E
muitas pessoa se queixaram do fato de em tão perigoso assunto os
cânones haverem sido de todo negligenciados. Houve, além
disso, opinião tal sobre os votos monásticos, que, como
é manifesto, desagradou também a muitos monges de algum
entendimento.
Alegavam que votos monásticos
eram iguais ao batismo e que pela vida monástica se mereciam remissão
dos pecados e justificação diante de Deus.135 Na verdade,
acrescentavam ainda que pela vida monástica se merecia não
só justiça e santidade, mas também que por essa vida
se cumpriam os preceitos e os conselhos incluídos no evangelho,
de modo que se exaltavam os votos monásticos mais do que o batismo.
Afirmava-se, outrossim, que se merece mais com a vida monástica
do que com todos os outros estados de vida que Deus ordenou, como o de
pastor e pregador, o de governante, príncipe, senhor e similares,
os quais todos servem a sua vocação, de acordo com o mandamento,
a palavra e a ordem de Deus, sem espiritualidade fictícia. Nenhum
desses pontos pode ser negado, pois que se encontram em seus próprios
livros.
Ademais, quem era assim
enredado e acabava no mosteiro, pouco aprendia sobre Cristo. Antigamente
havia nos mosteiros escolas de Letras Sagradas e de outras disciplinas
úteis à igreja cristã, de sorte que dos mosteiros
se tomavam pastores e bispos. Agora, porém, a coisa é muito
diferente. Em tempos passados congregavam-se em vida monacal para estudar
a Escritura; agora alegam que o monacato é de natureza tal, que
por ele se merecem a graça de Deus e a justiça diante dele.
Na verdade, consideram-no estado de perfeição e o põem
muito acima dos outros estados, que foram instituídos por Deus.
Tudo isso é mencionado, sem qualquer detração, para
que se possa perceber e entender tanto melhor o que os nossos ensinam
e pregam e como o fazem.
Em primeiro lugar, ensina-se
entre nós, com respeito aos que casam, que todos aqueles que não
são aptos para o celibato têm poder, razão e direito
de contrair matrimônio. Porque os votos não podem anular
a ordenação e o mandamento de Deus. Ora, o preceito divino
reza assim 1 Co 7: "Por causa da impureza, cada um tenha a sua própria
esposa e cada uma o seu próprio marido."136 Ademais, não
só o mandamento de Deus, mas também a criação
e a ordenação de Deus impulsam, obrigam e compelem ao estado
matrimonial a quantos não foram agraciados com o dom da castidade137
por especial obra de Deus, segundo estas palavras do próprio Deus
Gn 2: "Não é bom que o homem esteja só: far-lhe-ei
uma auxiliadora que lhe seja idônea."138
Que é que se pode
objetar a isso? Enalteça-se o voto e a obrigação
o quanto se queira; sobreexalte-se a coisa o quanto se possa; ainda assim
não se pode conseguir que com isso seja ab-rogado o mandamento
de Deus. Dizem os doutores que os votos também não são
obrigatórios quando feitos contrariamente ao direito papal; quanto
menos então devem vincular, ser válidos e ter força
contra o mandamento de Deus!
Se nenhuma razão
existisse pela qual a obrigação dos votos pudesse ser anulada,
também os papas não teriam dispensado e desobrigado deles.
Pois não é da competência de nenhum homem rescindir
obrigação que se origina de direito divino. Razão
por que ao papas julgaram acertadamente que se deve exercer alguma eqüidade
nessa obrigação, e muitas vezes concederam dispensa, como
no caso de um rei de Aragão e em grande número de outros
casos. Ora, se houve dispensa para conservar coisas temporais, com muito
mais justiça deve haver dispensa por causa de necessidade das almas.
Depois, por que os oponentes
insistem com tanta energia que se devem guardar os votos sem considerarem
primeiro se é própria a espécie de voto? Pois o voto
deve dizer respeito a coisa possível e deve ser voluntário,
inconstrangido.139 Mas bem se sabe como a castidade perpétua está
no poder e na capacidade do homem. E são poucos os homens e as
mulheres que fizeram o voto monástico de moto próprio, voluntária
e refletidamente. Antes de chegarem a correto entendimento, são
persuadidos ao voto monástico. Vez que outra também são
forçados e impelidos a isso. Razão por que não é
justo que se discuta com tanta imponderação140 e rigidez
sobre a obrigação do voto, à vista do fato de todos
confessarem ser contrário à natureza e ao caráter
do voto isso de não se prometer voluntariamente e a bom conselho
e com reflexão.
Alguns cânones e
leis papais anulam os votos feitos antes da idade de quinze anos, pois
julgam que antes dessa idade não se tem entendimento suficiente
para poder determinar a ordem de toda a vida, como se deve constituí-la.
Outro cânone concede mais anos ainda à fragilidade humana,
pois proíbe que se faça o voto monástico antes dos
dezoito anos. Isso dá à maioria escusa e razão para
abandonarem os mosteiros, porquanto a maior parte chegou aos mosteiros
na infância, antes daquela idade.
Por último, ainda
que se pudesse censurar a violação do voto monástico
não poderia, contudo, seguir-se daí que se deva dissolver
o casamento de tais pessoas. Porque Santo Agostinho diz 27. quaest. I,
cap. Nuptiarum que não se deve dissolver tal matrimônio.
E não é diminuto o prestígio de Santo Agostinho na
igreja cristã, ainda que outros, posteriormente, julgaram de maneira
diversa.
Se bem que o mandamento
de Deus concernente ao matrimônio liberta a muitos deles do voto
monástico, os nossos, contudo, apresentam ainda mais razões
para mostrar que votos monásticos são nulos e não-vinculativos.
Porque todo culto divino instituído e escolhido por homens, sem
mandamento e ordem de Deus, para alcançar justiça e a graça
de Deus, é oposto a Deus e contrário ao santo evangelho
e à ordem de Deus, como diz o próprio Cristo em Mt 15: "Em
vão me adoram com preceitos de homens."141 Também São
Paulo ensina em toda a parte que não devemos procurar a justiça
em nossos preceitos e cultos divinos, inventados por homens, porém
que justiça e piedade diante de Deus vêm da fé e da
confiança, de crermos que Deus nos recebe na graça por causa
de Cristo, seu único Filho.
Ora, é mui notório
haverem os monges ensinado e pregado que a espiritualidade excogitada
satisfaz pelo pecado e alcança a graça e a justiça
de Deus. Que é isto senão diminuir a glória e o louvor
da graça de Cristo e negar a justiça da fé? Segue-se,
portanto, daí que esses votos costumeiros foram cultos divinos
impróprios, falsos. Razão por que também não
vinculam. Pois voto ímpio e feito contrariamente ao preceito de
Deus é não-vinculativo e nulo. Também os cânones
ensinam que o juramento não deve ser vínculo de pecado.
Diz São Paulo em
Gálatas 5: "De Cristo vos desligastes vós que procurais
justificar-vos na lei, da graça decaístes."142 Por
isso também estão desligados de Cristo e decaíram
da graça aqueles que querem ser justificados por intermédio
de votos, pois roubam a honra de Cristo, o único que justifica,
e dão essa honra a seus votos e a sua vida monástica.
Não se pode negar,
outrossim, haverem os monges ensinado e pregado que eram justificados
e mereciam a remissão dos pecados por meio de seus votos e vida
e observância monásticas. Na verdade, inventaram coisa ainda
mais desastrada e absurda, dizendo que partilhavam suas boas obras aos
outros. Agora, se alguém quisesse repisar e salientar tudo isso
impiedosamente,143 quanta coisa poderia reunir de que os próprios
monges agora se envergonham e que quiseram não ter feito! Além
de tudo isso também persuadiram as pessoas de que as ordens espirituais
inventadas são estados de perfeição cristã.
Isto, sem dúvida, é exaltar as obras como meio de justificação.
Ora, não é pequeno escândalo na igreja cristã
apresentar ao povo semelhante culto, inventado pelos homens sem preceito
de Deus, e ensinar que tal culto torna os homens íntegros e justos
diante de Deus. Porque a justiça da fé, em que se deve insistir
mais do que qualquer outra coisa na igreja cristã, é obscurecida
quando os homens são deslumbrados com essa singular espiritualidade
angélica e a simulação de pobreza, humildade e castidade.
Ademais, também
os mandamentos de Deus e o verdadeiro e genuíno culto são
obscurecidos quando o povo ouve que apenas os monges estão no estado
de perfeição. Porque a perfeição cristã
é isto: temer a Deus de coração e seriamente, e,
contudo, ter, outrossim, cordial certeza, fé e confiança
de que por causa de Cristo temos um Deus gracioso e misericordioso, que
podemos e devemos pedir-lhe e dele desejar aquilo de que carecemos, e
confiantes esperar dele auxílio em todas as aflições,
de acordo com a profissão e o estado de cada um; e que, entrementes,
também devemos praticar, com diligência, boas obras na vida
exterior e servir a nossa vocação. Nisso consiste a verdadeira
perfeição e o verdadeiro culto a Deus, não em mendigar
ou em vestir hábito preto ou cinza, etc. Mas o povo comum concebe
muitas opiniões perniciosas a partir da falsa exaltação
da vida monástica, quando ouve que se enaltece sem qualquer moderação
o estado celibatário. O resultado é que o povo está
no estado matrimonial de consciência pesada. Quando o homem comum
ouve que apenas os mendicantes são perfeitos, não lhe é
possível saber que pode possuir bens e negociar sem pecado. Quando
o povo ouve que não vingar-se é apenas um conselho, segue-se
que alguns pensam não ser pecado exercer vingança fora do
ofício. Alguns entendem que vingança de forma nenhuma convém
aos cristãos, nem mesmo à autoridade.
Também se encontram,
em leituras, muitos exemplos de alguns que abandonaram mulher e filhos,
também seu ofício governamental, retirando-se a mosteiros.
Isto, disseram eles, é fugir do mundo e procurar vida que agrada
mais a Deus do que o modo de vida dos outros. Nem podiam saber que se
deve servir a Deus nos mandamentos dados por ele, não nos mandamentos
inventados por homens. Ora, estado de vida bom e perfeito é aquele
que tem a seu favor o mandamento de Deus; por outro lado, é perigoso
o estado de vida que não tem a seu favor o mandamento de Deus.
Foi necessário dar ao povo boa instrução a respeito
de tais coisas.
Em tempos passados também
Gérson censurou o erro dos monges concernente à perfeição,
e indicou que em sua época era novidade144 isso de se dizer que
a vida monástica é estado de perfeição.
Tantas opiniões
e erros ímpios se prendem aos votos monásticos: que justificam
e tornam íntegro diante de Deus, que são a perfeição
cristã, que com eles se cumprem tanto os conselhos como os preceitos
evangélicos, que têm obras supererogatórias,145 as
quais não se devem a Deus. Porquanto tudo isso é falso,
vão e inventado, segue-se que também torna nulos e sem vínculo
os votos monásticos.
ARTIGO 28: DO
PODER DOS BISPOS
Muito se escreveu, em
tempos passados, sobre o poder dos bispos, e alguns confundiram, desastrosamente,
o poder dos bispos com a espada temporal. Desse baralhamento desordenado
resultaram mui grandes guerras, tumultos e rebeliões pelo fato
de os bispos, sob o pretexto do poder a eles dado por Cristo, não
só haverem instituído novos cultos e onerado as consciências
com a reserva de alguns casos146 e com violentas excomunhões, mas
também se haverem atrevido a entronizar e depor, a seu talante,
imperadores e reis,147 abuso que já muito antes de nosso tempo
foi censurado por pessoas eruditas e piedosas na cristandade. Por isso
os nossos, para consolo das consciências, se viram compelidos a
mostrar a diferença entre o poder, espada e autoridade espiritual
e a secular, e ensinaram que por causa do mandamento de Deus ambos os
regimes e poderes devem ser honrados e estimados, com toda a reverência,
como os dois maiores dons de Deus na terra.
Os nossos ensinam que,
de acordo com o evangelho, o poder das chaves ou dos bispos é o
poder e ordem de Deus de pregar o evangelho, remitir e reter pecados e
administrar e distribuir os sacramentos. Pois Cristo enviou os apóstolos
com esta ordem Jo 20: "Assim como o Pai me enviou, eu também
vos envio. Recebei o Espírito Santo. Se de alguns perdoardes os
pecados, são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são retidos."148
Esse poder das chaves
ou dos bispos é praticado e exercido apenas através do ensino
e pregação da palavra de Deus e pela administração
dos sacramentos a muitos ou a indivíduos, dependendo da vocação
que se tiver. Pois com isso se conferem não bens corporais, senão
coisas e bens eternos, a saber, justiça eterna, o Espírito
Santo e a vida eterna. Não se podem obter esses bens senão
pelo ministério da pregação e pela administração
dos santos sacramentos. Porque São Paulo diz: "O evangelho
é o poder de Deus para a salvação de todo aquele
que crê."149 Visto, pois, que o poder da igreja ou dos bispos
confere bens eternos e é praticado e exercido apenas pelo ofício
da pregação, de modo nenhum embaraça o governo e
autoridade temporal. Porque o poder secular trata de coisas muito diferentes
das do evangelho. O poder temporal não protege a alma, porém
defende, com a espada e penas físicas, corpo e bens contra poder
externo.
Por isso não se
devem baralhar e confundir o poder espiritual e o temporal. Pois o poder
espiritual tem a ordem de pregar o evangelho e administrar os sacramentos.
Também não deve invadir ofício alheio. Não
deve entronizar e destronar reis, não deve ab-rogar ou minar as
leis civis e a obediência ao governo, não deve fazer e prescrever
ao poder temporal leis a respeito de matéria secular, conforme
disse o próprio Cristo: "O meu reino não é deste
mundo."150 Também: "Quem me constituiu juiz entre vós?"151
E São Paulo, em Fp 3: "A nossa pátria está nos
céus."152 E na Segunda Epístola aos Coríntios,
capítulo décimo: "As armas da nossa milícia
não são carnais, e sim poderosas em Deus, para destruir
fortalezas; anulando sofismas e toda altivez que se levante contra o conhecimento
de Deus."153
Dessa maneira os nossos
distinguem os ofícios de ambas as autoridades e poderes e mandam
que os dois sejam tidos em honra como os dons mais elevados de Deus na
terra.
Onde, porém, os
bispos possuem autoridade temporal e a espada, não as têm
como bispos, de direito divino, mas de direito humano, imperial, dadas
por imperadores e reis romanos, para administração temporal
de seus bens. E isso nada tem que ver com o ofício do evangelho.
Por isso, segundo o direito
divino, o ofício episcopal é pregar o evangelho, perdoar
pecados, julgar doutrina e rejeitar doutrina que é contrária
ao evangelho, e excluir da congregação cristã os
ímpios cuja vida ímpia seja manifesta, sem o emprego de
poder humano, mas apenas pela palavra de Deus. E nisso os paroquianos154
e as igrejas têm o dever de obedecer aos bispos, de acordo com esta
palavra de Cristo Lucas 10: "Quem vos der ouvidos, ouve-me a mim."155
Todavia, quando ensinam, introduzem ou estabelecem algo contrário
ao evangelho, temos ordem de Deus de que em tal caso não devemos
obedecer. Mt 7: "Acautelai-vos dos falsos profetas."156 E São
Paulo em Gl 1: "Mas, ainda que nós, ou mesmo um anjo vindo
do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos
temos pregado, seja anátema."157 E na Segunda Epístola
aos Coríntios, capítulo 13: "Porque nada podemos contra
a verdade, senão em favor da própria verdade."158 Também:
"Segundo a autoridade que o Senhor me conferiu para edificação,
e não para destruir".159 O mesmo ordena o direito canônico
em 2,q.7, nos capítulos "Sacerdotes" e "Oves".
E Santo Agostinho escreve na Epístola contra Petiliano que também
aos bispos regularmente eleitos não se deve obedecer caso errem
ou ensinem ou ordenem algo contra a santa e divina Escritura.
Agora, que os bispos,
quanto ao mais, tenham poder e jurisdição em algumas coisas,
como, por exemplo, em questões matrimoniais ou no dízimo,
têm-nos em virtude de direito humano. Quando, porém, os ordinários
são negligentes em tal ministério, os príncipes têm
a obrigação, quer o façam prazerosamente ou não,
de pronunciar nisso direito160 aos seus súditos, por amor da paz,
para evitar discórdia e grandes distúrbios nos territórios.
Discute-se, além
disso, sobre se os bispos têm poder para instituir cerimônias
na igreja e fazer leis respeito a alimentos, dias santos e diferentes
ordens de ministros da igreja. Os que concedem esse poder aos bispos alegam
esta palavra de Cristo João 16: "Tenho ainda muito que vos
dizer, mas vós não o podeis suportar agora; quando vier,
porém, o Espírito da verdade, ele vos ensinará toda
a verdade".161 Referem também o exemplo de Atos 15, onde proibiram
o sangue e o sufocado. Alega-se ainda que o sábado foi mudado para
o domingo, contrariamente aos Dez Mandamentos, segundo pensam, e nenhum
exemplo é enfatizado e alegado tanto quanto a mudança do
sábado. Querem sustentar com isso que é grande o poder da
igreja, porquanto dispensou nos Dez Mandamentos e modificou algo neles.
Mas a respeito dessa questão
os nossos ensinam que os bispos não têm poder para instituir
e estabelecer algo contra o evangelho, conforme se mostrou acima e como
ensina o direito canônico em toda a Distinção nona.
Ora, é evidentemente contrário à ordem e à
palavra de Deus fazer ou decretar leis com o intuito162 de por isso satisfazer
pelo pecado e alcançar a graça. Pois a glória do
mérito de Cristo é blasfemada quando ousamos merecer graça
com tais observâncias. Também é patente que por causa
dessa opinião as ordenanças humanas cresceram incalculavelmente
na cristandade e que enquanto isso a doutrina da fé e da justiça
da fé esteve completamente163 suprimida. Diariamente se ordenavam
novos feriados, novos jejuns, e se estabeleciam novas cerimônias
e novas venerações de santos, a fim de com tais obras merecer
graça e todo o bem junto a Deus.
Da mesma forma os que
instituem ordenanças humanas também agem contra o mandamento
de Deus com isso de porem pecado em alimentos, dias e coisas semelhantes,
e oneram a cristandade com a escravidão da lei, como se, para merecer
a graça de Deus, fosse necessário que existisse entre os
cristãos culto semelhante ao levítico, cuja instituição
Deus teria ordenado aos apóstolos e bispos, como alguns escrevem
a respeito. E é bem crível que alguns bispos foram enganados
com o exemplo da lei de Moisés. Daí provieram tão
inumeráveis ordenações: que é pecado mortal
fazer trabalho manual em dias santos, ainda quando não haja ofensa
a outros; que é pecado mortal omitir as horas canônicas;164
que alguns alimentos poluem a consciência; que jejum é obra
com que se reconcilia a Deus; que em caso reservado o pecado não
é perdoado a menos que se preocupe primeiro o reservante do caso,
não obstante o direito canônico não falar da reserva
da culpa, senão da reserva das penas eclesiásticas.
De onde têm os bispos
o direito e poder de impor tais ordenações165 à cristandade,
para ilaquear as consciências? Pois em Atos dos Apóstolos,
capítulo 15, São Paulo proíbe que se ponha o jugo
na cerviz dos discípulos.166 E São Paulo diz em Coríntios
que o poder lhes foi dado para edificar, não para destruir.167
Por que então multiplicam os pecados com tais ordenações?
Existem, porém,
claras passagens da divina Escritura que proíbem estabelecer semelhantes
ordenações para merecer a graça de Deus, ou como
se fossem necessárias para a salvação. Assim diz
São Paulo em Colossenses 2: "Ninguém vos julgue, pois,
por causa de comida, ou bebida, ou dias determinados, a saber, os dias
de festa, ou as luas novas, ou os sábados, que é sombra
das coisas que haviam de vir, porém o corpo é de Cristo."168
Também: "Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo,
por que, como se vivêssemos no mundo, vos deixais prender por ordenanças:
não manuseies, não proves, não toques? Todas estas
coisas, com o uso, se destroem e são preceitos e doutrinas dos
homens e têm aparência de sabedoria."169 E em Tito 1
São Paulo proíbe abertamente que demos ouvidos a fábulas
judaicas e mandamentos de homens que se desviam da verdade.170
Também o próprio
Cristo diz, Mt 15, a respeito daqueles que insistem com as pessoas sobre
preceitos humanos: "Deixai-os: são cegos, guias de cegos."171
E reprova tais cultos, dizendo: "Toda planta que meu Pai celeste
não plantou, será arrancada.."172
Se os bispos têm
o poder de onerar as igrejas com inúmeras ordenanças e de
ilaquear as consciências, por que então a divina Escritura
proíbe tantas vezes fazer e observar ordenanças humanas?
Por que lhes chama doutrinas de demônios?173 Teria o Espírito
Santo prevenido contra tudo isso em vão?
Por isso, visto que tais
ordenações, instituídas como necessárias,
para reconciliar a Deus e merecer graça, são contrárias
ao evangelho, de modo nenhum é próprio para os bispos impor
semelhantes cultos. Pois é necessário reter na cristandade
a doutrina da liberdade cristã de que não é necessária
a servidão da lei para a justificação, conforme escreve
São Paulo aos gálatas, capítulo quinto; "Para
a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não
vos submetais de novo a jugo de escravidão."174 É necessário
conservar o artigo principal do evangelho: que alcançamos a graça
de Deus pela fé em Cristo, sem mérito nosso, e que não
a merecemos mediante culto instituído por homens.
Que se deve pensar, então,
do domingo e de similares ordenanças e cerimônias eclesiásticas?
A isso respondem os nossos que os bispos ou pastores podem fazer ordenações
para que as coisas sejam feitas com ordem na igreja, não a fim
de com elas alcançar a graça de Deus, também não
a fim de por elas satisfazer pelo pecado ou obrigar as consciências
a que as tenham na conta de cultos necessários e a julgar que pecam
quando deixam de observá-las sem escândalo. Assim São
Paulo ordenou em Coríntios que as mulheres velem a cabeça
na congregação175 e que os pregadores não falem todos
ao mesmo tempo na assembléia, mas ordenadamente, um após
outro.176
É conveniente que
a assembléia cristã, por causa do amor e da paz, observe
tais ordenações e obedeça aos bispos e pastores nestes
casos, e as guarde até onde um não ofenda o outro, para
que não haja desordem ou anarquia na igreja. Contudo, de maneira
tal, que não se onerem as consciências, de forma a pesarem
que são coisas necessárias para a salvação
e haverem que pecam quando as violam sem ofensa para outros. Assim como
ninguém diz pecar a mulher que, sem ofensa para outros, se apresenta
em público de cabeça descoberta.
Tal é a observância
do domingo, da Páscoa, do Pentecostes e feriados e ritos semelhantes.
Pois erram muito os que julgam que a observância do domingo em lugar
do sábado foi estabelecida como necessária. A Sagrada Escritura
ab-rogou o sábado e ensina que depois da revelação
do evangelho podem omitir-se todas as cerimônias da lei antiga.
Contudo, visto que era necessário estabelecer um dia determinado,
a fim de que o povo soubesse quando devia reunir-se, a igreja cristã
destinou o domingo para esse fim, e tanto mais agrado e disposição
teve relativamente a tal mudança, para que o povo tivesse um exemplo
da liberdade cristã e se soubesse que nem a guarda do sábado
nem de qualquer outro dia é necessária.
Há muitas discussões
falhas sobre a mudança da lei, sobre as cerimônias do Novo
Testamento, sobre a mudança do sábado. Originaram-se todas
da falsa e errônea opinião de que devia haver na cristandade
um culto similar ao levítico ou judaico, e de que Cristo haja ordenado
aos apóstolos e bispos que excogitassem novas cerimônias
necessárias para a salvação. Esses erros se introduziram
na cristandade quando não se ensinava e pregava de maneira límpida
e pura a justiça da fé. Alguns sustentam a respeito do domingo
que se deve guardá-lo, posto não de direito divino, contudo
quase que como de direito divino. E prescrevem a forma e a medida em que
se pode trabalhar em dia santo. Mas que outra coisa são tais disputas
senão laços para a consciência? Pois ainda que procuram
mitigar e epiqueizar ordenações humanas, contudo não
se pode alcançar nenhuma epiquéia177 ou mitigação
enquanto está de pé e permanece a opinião de que
são necessárias. Ora, essa opinião necessariamente
permanece quando nada se sabe da justiça da fé e da liberdade
cristã.
Os apóstolos ordenaram
abstenção do sangue e do sufocado. Mas quem observa isso
hoje em dia? E contudo não pecam os que não o observam,
porque os próprios apóstolos não quiseram onerar
as consciências com tal escravidão, mas apenas o proibiram
por algum tempo, a fim de evitar escândalo. Pois nessa ordenação
é preciso atentar no artigo principal da doutrina cristã,
que não é ab-rogado por esse decreto.178
Quase nenhum dos cânones
antigos é observado tal qual reza. E diariamente muitas das ordenações
se tornam obsoletas, mesmo entre aqueles que observam essas ordenações
de maneira diligentíssima. Não se pode aconselhar nem auxiliar
as consciências onde não se observa essa mitigação,
para sabermos observar essas ordenações de maneira que não
as tenhamos por necessárias, cientes também de que as consciências
não são feridas, ainda que desapareçam tais ordenações.
Os bispos, entretanto,
manteriam facilmente a obediência, se não insistissem na
observância daquelas ordenações que não se
podem guardar sem pecado. Mas o que fazem agora é proibir a administração
das duas espécies no santo sacramento, proíbem o casamento
dos clérigos e a ninguém recebem a menos que jure primeiro
que não vai pregar essa doutrina, não obstante acordar ela,
fora de dúvida, com o santo evangelho. As nossas igrejas não
pedem que os bispos voltem a estabelecer a paz e a unidade com prejuízo
para a honra e a dignidade deles, conquanto em caso de necessidade os
bispos devem fazer também isso. Pedem somente que os bispos relaxem
algumas cargas injustas que em tempos passados não existiam na
igreja e foram recebidas contrariamente ao costume da igreja cristã
universal. Talvez de início hajam tido alguma razão, mas
em nossos tempos já não são congruentes. Também
é manifesto que algumas ordenanças foram recebidas por causa
de falta de entendimento. Razão por que os bispos deveriam ter
a bondade de mitigar essas ordenanças, visto que tal mudança
não prejudica a conservação da unidade da igreja
cristã. Porque muitas ordenações de origem humana
com o passar do tempo caíram por si mesmas, não sendo necessário
guardá-las, conforme testifica o próprio direito papal.
Se isso, porém, é de todo impossível, e se não
se pode conseguir que eles moderem e ab-roguem ordenações
humanas que não se possam guardar sem pecado, então devemos
seguir a norma apostólica que nos ordena obedecer antes a Deus
que aos homens.179
São Pedro proíbe
aos bispos o domínio, como se tivessem o poder de coagir as igrejas
ao que eles quisessem.180 Agora não se trata de como privar os
bispos de seu poder; pede-se e deseja-se, isto sim, que não coajam
as consciências a pecado. Se, porém, não fizeram isso,
desprezando esse pedido, reflitam então sobre como responderão
a Deus por isso, porquanto com essa sua pertinácia dão causa
a divisão e cisma, coisa que em justiça devem ajudar a prevenir.
CONCLUSÃO
Estes são os artigos
principais que são considerados como controvertidos. Embora se
pudesse haver falado de número muito maior de abusos e erros, contudo,
para evitar prolixidade e extensão, citamos apenas os precípuos,
a partir dos quais facilmente se pode ajuizar quanto aos outros. Pois
em tempos passados houve muita queixa sobre as indulgências, sobre
peregrinações, abuso em matéria de excomunhão.
Os pastores tinham infinitas contendas com os monges quanto a ouvir confissões,
a respeito de sepultamento, no tocante a prédicas em ocasiões
extraordinárias e relativamente a inúmeras outras coisas.
Com as melhores intenções e por amor da cortesia passamos
tudo isso por alto, a fim de que tanto melhor se pudessem notar os pontos
principais nessa questão. Não se deve julgar que qualquer
coisa haja sido dita ou mencionada por ódio ou para infamar. Relatamos
apenas aquilo que julgamos necessário aduzir e mencionar, a fim
de que daí se pudesse tanto melhor perceber que, em doutrina e
cerimônias, entre nós nada se recebeu que seja contra a Sagrada
Escritura ou a igreja cristã universal. Porque deveras é
público e manifesto havermos evitado, diligentissimamente e com
a ajuda de Deus (para falar sem vanglória), que se introduzisse,
alastrasse e prevalecesse em nossas igrejas qualquer doutrina nova e ímpia.
Seguindo o edito, quisemos
apresentar os artigos supramencionados, como declaração
de nossa confissão e da doutrina dos nossos. E caso alguém
entenda que fala algo, estamos prontos a dar-lhe informação
mais ampla, com base na divina Escritura Sagrada.
De Vossa Majestade Imperial
mui submissos e obedientes:
João, Duque da
Saxônia, eleitor
Jorge, Margrave de Brandenburg
Ernesto, Duque de Lüneburg
Filipe, Landgrave de Hesse
João Frederico,
Duque da Saxônia
Francisco, Duque de Lüneburg
Wolfgang, Príncipe
de Anhalt
Burgomestre e Conselho
de Nurembergue
Burgomestre e Conselho
de Reutlingen
N O T
A S
A - O texto alemão
do prefácio é de pena de Gregor Brück, chanceler do
Eleitorado Saxônio. Justus Jonas é o autor da tradução
latina do prefácio. É essa tradução latina
que vertemos em português. Enquanto diminui o número de pessoas
capazes de ler, com inteiro proveito, os originais alemão e latino
das Confissões Luteranas, cresce o número daqueles que entendem
inglês. A edição inglesa de T. G. Tappert (The Book
of Concord, Fortress Press, Philadelphia, 1959), que traz a tradução
do prefácio germânico, é livro de fácil aquisição.
Favorecerá, por isso, a número crescente de leitores o fato
de havermos traduzido o prefácio latino para a edição
portuguesa.
B - Carlos V, 1500 - 1558.
C - No original, secus.
Texto alemão: nicht recht. Na Concordia Triglotta, em que a tradução
do prefácio da Confissão de Augsburgo se baseia no texto
latino, lê-se: "in a different manner." O advérbio
secus tem ambas as acepções, mas já que o prefácio
latino é tradução do prefácio germânico,
damos preferência ao nicht recht.
D - No original, de cetero.
Concordia Triglotta traduz "for the future". Assim também
Leif Grane e Bernd Moeller ( Die Confessio Augustana, p. 13): "in
Zukunft". Cremos que Justus Jonas teria escrito in ceterum houvesse
sua intenção sido a de dizer "para o futuro",
se bem que o contexto parece sugerir a tradução "para
o futuro" como a melhor.
E - No dia 20 de junho
de 1530.
F - No dia 22 de junho.
G - Dia 24 de junho. Concordia
Triglotta (p. 40), por engano, traduz proxima sexta feria (sic) com "on
next Wednesday". A apresentação foi transferida para
sábado, 25 de junho.
H - Ou transmitiram. No
original: tradiderint.
I - Adotamos a variante
sumus et militamus. Cf. BSLK.
J - A Arquiduque Fernando
da Áustria, desde 1526 rei da Hungria e da Boêmia, irmão
do imperador.
K - Regensburg. 1527.
Compareceu número muito reduzido de pessoas, e a dieta terminou
sem resultados.
1. Vid. Nota em I, Símbolo
Niceno.
2. No original alemão:
Wesen. Texto latino: essentia.
3 "Aquilo que subsiste
por si mesmo" = hupóstasis, termo usado na igreja antiga conta
o modalismo, segundo o qual o Pai, o Filho e o Espírito Santo são
três modos ou manifestações do Deus único.
Cf. em CR 4,38 as autoridades citadas por Melanchthon no Colóquio
de Worms de 1541 para CA I. Em definitiones multarum appellationum, quarum
in Ecclesia usus est (Melanchthons Werke in Auswahl, vol. II,2, 1953,
ed. Hans Engelland, p. 782s.). Melanchthon define "pessoa" assim:
Persona est substantia, individua, intelligens, incommunicabillis, non
sustentata in alia natura. Sic loquitur Ecclesia et vocabulo personae
hoc modo utitur. Graeci hupóstasin et huphistámenon dixerunt,
id est, subsistens. Leonardo Hutter (Loci communes theologici, locus I,
cap. I, q. III, prop. III) descreve a elaboração do conceito
de pessoa congruente com o mistério da Trindade. Sobre o uso do
conceito de subsistência (hupóstasis) para determinar o conceito
de pessoa (reduzindo este ao sentido formal, único que lhe convém
na doutrina da Trindade) vid., p. ex., Werner Elert, Der christliche Glaube,
3ª ed., de Ernst Kinder, 1956, p. 220.
4. Adeptos da heresia
de Manes, do século III d. C. Combinação do dualismo
persa de Zoroastro com elementos gnósticos e cristãos.
5. Gnósticos do
século II.
6. Do nome do heresiarca
Ário, teólogo de Alexandria (ca. 270-336), que negava a
consubstanciabilidade do Filho com o Pai (Cristo, ainda que anterior ao
mundo, é, contudo, um poiema de Deus). O Concílio de Nicéia
(Bitínia, Ásia Menor, 325, também chamado I Concílio
de Nicéia – o II reuniu-se em 787) condenou essa doutrina.
Os arianos dividiram-se em "homoi-usianos" (homoios e ousia),
também chamados semi-arianos, ou seminicenos (o Filho é
de substância similar à do Pai, i. e., não idêntica
nem diferente. P. ex., Basílio de Ancira, o líder), "homoianos"
(o Filho é semelhante ao Pai. V. g., Acácio de Cesaréia,
de onde os acacianos, mais tarde liderados por Eudóxio) e "an-homoianos",
os arianos radicais, chamados de arianos propriamente ditos (o Filho em
tudo é dessemelhante do Pai. P. ex., Eunômio). O Concílio
de Nicéia definiu-se pelo "homoousios" (o Pai e o Filho
são de substância idêntica). Daí o termo heterousianos
para designar os sectários do arianismo. Semi-ariano, inicialmente
sinônimo de "homoi-usiano", mais além passou a
ser sinônimo de macedoniano e pneumatômaco, porque muitos
"homoi-usianos", ainda que tinham chegado a aceitar uma formula
"homo-usiana" quanto ao Pai e ao Filho, haviam aderido a Macedônio
(patriarca de Constantinopla, deposto pelo Sínodo de Constantinopla
em 360), e diziam que o Espírito Santo não é homoousios
com o Pai e o Filho, de onde o nome de peneumatômacos, que significa
"difamadores do Espírito".
7. De Eunômio, falecido
cerca de 393, e que chegou a ser a figura principal do arianismo radical.
8. Como negadores da Trindade.
9. Os samosatenos, também
chamados paulianistas, foram sectários de Paulo de Samôsata,
bispo de Antioquia. Em 269 foi deposto da sé antioquiana. Lutero
e Melanchthon o condenaram porque negava a personalidade do Logos. Há
quem julgue duvidosa a inclusão de Paulo de Samôsata entre
os adeptos do monarquianismo dinamista (o Filho é simplesmente
um poder de Deus, o divino repousava sobre o homem Jesus como um poder,
dúnamis). Também há quem pensa que binitarismo dinamista
seria descrição mais exata (porque falavam da existência
do Pai e do Filho, ou Espírito, dentro da Divindade, sem ênfase
especial sobre a unidade e a relação entre ambos). Outros
preferem chamá-los de trinitários econômicos (nome
dos adeptos da teoria de que o Filho e o Espírito não são
hipóstases plenas, mas têm o status de economias ou dispensações
funcionais do Deus único extrapoladas para as finalidades da criação
e da redenção.
10. Texto latino: neotericos
(novos, modernos). Com samosatenos novos a Confissão de Augsburgo
mira aos primeiros espiritualistas antitrinitários da época
da Reforma (V. g. João Campano: o Espírito Santo é
apenas operação ou efeito de Deus e do Cristo).
11. No original, Erbsünde,
"pecado hereditário". Texto latino: Peccatum originis.
Na dogmática neo-escolástica a expressão peccatum
originale geralmente é usada para designar duas coisas: o peccatum
originale originans, o pecado adâmico, e o peccatum originale originatum,
o pecado hereditário dos filhos de Adão. Cf. Urs Baumann,
Erbsünde? (1970), p. 18 s. Num ensaio intitulado "Die Erbsünde
und das Konzil von Trient", E. Gutwenger SJ, no interesse de uma
terminologia impecável ("Im Interesse einer einwandfreien
Terminologie"), reserva o termo "Ursünde" para o peccatum
originale originans e usa "Erbsünde" para designar o peccatum
originale originatum (Zeitschrift für katholische Theologie, vol.
89, 1967, p. 433, nota 1). Outros autores traduzem peccatum originale
originans com Ursprungssünde.
12. So naturlich geborn
werden. Texto latino: Secundum naturam propagati. Com "naturalmente"
se quer excluir o Cristo.
13. Sectários de
Pelágio, frade britânico (c. 360 - c. 420).
14. Os reformadores acusaram
os escolásticos de pelagianos. Também a Zwinglio, que considerava
o pecado original enfermidade, não pecado, argumentando que o pecado
está ligado com a culpa: Sic ergo diximus originalem contagionem
morbum esse, non peccatum, quod peccatum cum culpa coniunctum est (de
peccato originali declaratio, CR 92, 372, 4).
15. No original: geborn
aus der reinen Jungfrauen Maria. Vid. BSLK, p. 54. Vid. Artigos de Esmalcalde,
Parte I, 4, e nota.
16. In einer Person also
unzertrennlich vereiniget. Não traduzimos o "also", que
aliás falta na cópia de Espalatino (cf. BSLK, p. 54, aparato
crítico). A doutrina das duas naturezas inseparavelmente unidas
na unidade da pessoa é formulada na confissão do Concílio
de Calcedônia (451).
17. O Símbolo dos
Apóstolos, ou Credo Apostólico.
18. Rm 3.21-26; 4.5.
19. Ou: do ministério
da pregação. No original: Vom Predigtamt.
20. Por exemplo Sebastião
Franck, falecido em 1542. Ensinava que a palavra invisível operava
sem meios.
21. Em contraste com as
obras desnecessárias mencionadas nos artigos XX e XXVI da CA.
22. Lc 17.10.
23. Comenta Wilhelm Maurer
que esse allezeit sein und bleiben resiste a uma compreensão apenas
futura da perpetuo mansura, encerrando antes em si a existência
dela no presente e no passado. No ensaio "Ecclesia perpetuo mansura
im Verständnis Luthers", publicado em Erneuerung der Einen Kirche,
vol. 11 de Kirche und Konfession, Göttingen, 1966, p. 32.
24. Versammlung. Texto
lat.: congregatio.
25. Na ed. Tappert (p.
32) falta a tradução da palavra einträchtiglich.
26. Cf. artigo XV, Das
Ordenações Eclesiásticas.
27. Ef 4.5,6.
28. Mt 23.2.
29. Rigoristas da igreja
africana antiga. Negaram o ofício aos bispos que se haviam portado
indignamente na perseguição de Diocleciano, declararam nulas
as ordenações feitas por esses bispos e afirmavam que os
sacramentos administrados por pessoas dignas de excomunhão não
tinham valor.
30. Observa Peter Brunner
(Pro Ecclesia, 185-186) que as palavras "im Abendmahl" ("in
coena Domini") devem ser entendidas não só como indicação
de lugar e tempo, mas antes em sentido instrumental (a realização
da ceia seria o meio por que o corpo e sangue de Cristo se tornam presentes).
"Na ceia" significaria, portanto, a celebração
toda, desde as palavras da instituição até a distribuição.
Conclui o autor que à luz da CA X se pode desistir de isolar um
ponto de celebração, assinalando-o como o momento que efetuaria
a presença do corpo e sangue.
31. Unter. Cf. Apologia
X, 1: cum; Catecismo Maior, Do Sacramento do Altar, 8: in und unter; Fórmula
de Concórdia, Epítome VII, 6: mit. Werner Elert (Der christliche
Glaube, p. 387) observa que essa viariação no uso das preposições
prova que elas não tem a tarefa de uma definição
precisa. Segundo o autor, parafraseiam o simples fato de que pão
e vinho continuam pão e vinho, sendo, porém, no ato sacramental,
portadores da presença, do oferecimento e da recepção
do corpo e sangue de Cristo. A fórmula "in, sub et cum",
diz ele, não tem o sentido de um sucedâneo especulativo de
alguma fórmula escolástica ("spekulative Ersatz irgendeiner
scholastischen Formel").
32. Unter der Gestalt
des Brots und Weins. "Gestalt" = aparência, forma; "Erscheinungsform"
(BSLK, p. 64, nota 1), forma externa, espécie. Na doutrina da transubstanciação:
espécies = acidentes do pão e do vinho. Observa a nota 1,
p. 64, BSLK, a propósito do termo "Gestalt" em CA X:
"Vielleicht Anklang na kath. Sprauchgebrauch...." ("talvez
reminiscência do uso idiomático católico...".)
E ilustra com um texto das teses de Wimpina contra os Artigos de Schwabach:
depois da "Tirmung" (consagração), diz Wimpina,
fica apenas a "Gestalt" do pão e do vinho, e "unter
jetlicher Gestalt" ("sob cada uma das espécies")
está o verdadeiro corpo e sangue de Cristo, e o Cristo inteiro,
individido e completo (WA XXX, 3; 190, 10 ss.) Cf. E. F. Karl Müller,
Symbolik, 1896, p. 347, nota 7: "Die Worte des deutschen Textes,
‘dass wahrer Leib und Blud Christi wahrhaftiglich unter der Gestalt
des Brods un Weins im Abendmahl gegenwärtig sei’, entsprechen
der geläufigen römischen Redeweise". (grifo do autor.)
Sobre as espécies eucarísticas, ou santas espécies,
no sentido de aparências do pão e do vinho depois da transubstanciação
cf. também IV Concílio de Latrão, 1215 (Denziger-Schönmetzer,
Enchiridion Symbolorum, 802): Iesus Christus, cuius corpus et sanguis
in sacramento altaris sub speciebus panis et vini veraciter continentur,
transsubstantiatis pane in corpus, et vino in sanguinem potestate divina.
– Observa P. Brunner (Pro Ecclesia, p. 187) que não se deve
aceitar uma interpretação da expressão "unter
der Gestalt" no sentido da doutrina romana da transubstanciação.
O sentido, diz ele, é: "unter dem sinnlich wahrnehmbaren Ding,
das Brot und Wein ist" ("sob a coisa sensorialmente perceptível,
que é pão e vinho")
33. A absolvição
particular, individual.
34. SL 19.12. Almeida
RA: "Quem há que possa discernir as próprias faltas?"
Sobre a confissão cf. artigo XXV e notas.
35. Mt 3.8.
36. P. ex. João
Denck (ca. 1500-1525)
37. Rigoristas de Roma
(século III) que negavam readmissão aos que haviam apostatado
em tempo de perseguição e aos impuros e assassinos.
38. Acréscimo no
texto alemão da edição príncipe de Melanchthon
(1531): Darumb werden diejenigen verworfen, so lehren, die Sakrament machen
gerecht ex opere operato ohne Glauben, und lehren nicht, dass dieser Glaub
dazu getan soll werden, dass da Vergebung der Sünde angeboten werde,
welche durch Glauben, nicht durchs Werk erlangt wird. Esse texto é
substancialmente idêntico ao acréscimo que aparece na edição
príncipe latino de Melanchthon. (Cf. o texto latino do acréscimo
e a tradução portuguêsa em CA XIII, 2, tradução
do texto latino, nota em "pelos sacramentos".)
39. Vom Kirchenregiment.
Texto latino: De ordine ecclesiastico. Kirchenregiment, ordo aqui designam
o ofício da direção espiritual da congregação.
40. Ohn ordentlichen Beruf.
41. Feier, aqui no sentido
de Feiertag. Texto latino: Feriae.
42. Polizei. Aqui no sentido
de Staatsordnung, politeia (cf. BSLK, p. 70, nota 3) ou Staatsverwaltnung.
43. Aufgelegte Eide Tun.
Texto latino: iurare postulantibus magistratibus.
44. Max Keller -Hüschemenger
(Die Augsburgische Konfession, p. 16), adotando uma variante do manuscrito
de Espalatino (cf. BSLK, p. 71, aparato crítico), entendem a parte
que vai de "quanto o fato é" até "justiça
do coração" como razões atribuídas aos
adversários condenados aqui pela CA. Isso os obriga a transformar
um "dann" em "und" e um "und" em "aber".
45. At 5.29.
46. Segundo um relatório
da época, os anabatistas da Turíngia ocidental (Melchior
Rinck) ensinavam que separado de Deus nada pode ser eterno, razão
porque todos os diabos e os homens condenados devem, finalmente, chegar
a Deus e ser salvos.
47. 1 Co 2.14. Almeida
RA: "não aceita as coisas do Espírito de Deus".
48. Jo 8.44.
49. Cf. , vg. , Lutero,
Sermon von den guten Werken, 1520, WA VI, 202 ss.; Kurze Form der zehn
Gebote, 1520, WA VII, 104 ss.; os
Dez Mandamentos no Catecismo
Menor e no Catecismo Maior, adiante, Partes VI e VII.
50. Cf. 1 Tm 2.5.
51. Ef 2.8,9.
52. Rm 5.1. Almeida RA:
"Justificados, pois, mediante a fé, tenhamos (ou temos) paz
com Deus."
53. Cf. Tg 2.19.
54. Hb 11.1.
55. Tract. In Ep. Joh.
Ad Parth. X 2. MSL 34, 2055. Pseudo-Agostinho, De congnitione verae vitae
37. MSL 40, 1025.
56. Sollen und mussen.
57. Lutero: "Quando
assino à fé posição tão excelsa e rejeito
tais obras infiéis, incriminam-me de proibir as boas obras, quando
a verdade é que bem quero ensinar obras da fé verdadeiramente
boas." WA VI, 205.
58. Jo 15.5.
59. Sob o sultão
Suleimã II, os turcos conquistaram a Hungria e chegaram até
diante de Viena (1529), constituindo-se no grande perigo para o Império.
60. 1 Tm 2.5.
61. Rm 8.34.
62. 1 Jo 2.1.
63. Os artigos I - XXI.
64. Fast. Cf. as acepções
de fast em A. Götze, Glossar. Texto latino: fere.
65. Gemeiner chritlichen,
já auch romischer Kirchen. "Gemeine" = "allgemeine."
Texto latino: vel ab ecclesia catholica vel ab ecclesia Romana.
66. Original: so viel
aus der Väter Schriften zu vermerken. Cf. texto latino (quatenus
ex scriptoribus nobis nota est.
67. Irrung = "Störung",
"Streit." Cf. A. Götze, Glossar.
68. Kein befindlicher
Ungrund oder Mangel. "Empfindlich" e "bemerkenswert"
são as duas acepções do adjetivo "befindlich"
registradas por A. Götze, (Glossar).
69. Nicht. Sobre "nicht
– nichts" Cf. A. Götze, Glossar. Espalatino: nichts. Texto
latino: de nullo articulo fidei dissentiant.
70. Gemeiner christlichen
Kirchen. Texto latino: ab ecclesia catholica. Vid. Nota em Conclusão
da Parte I, seção 1ª.
71. Unchristlich oder
frevenlich. A. Götze, Glossar, em fref(en)lich: "kühn,
unverschämt; mutwillig; gewalttätig."
72. Mt 26.27.
73. Ou: e interpretá-las
erroneamente, como se. No original:....., und glossieren......., als.
74. 1 Co 11.20 ss.
75. Até o século
XIII. Cf. Pe. Dr. M. Teixeira - Leite Penido, Os Mistérios dos
Sacramentos, Vozes, 1954, p. 250: "De fato, na sinaxe antiga comungavam
todos sob as duas espécies. Aliás, só no século
XIII cessou por completo este uso na Igreja latina. Continuam-no ao orientais."
76. Caecilius Cyprianus
Thascius, bispo de Cartago, nasceu em Cartago, entre 200 e 210. Muitas
vezes chamado de Papa Africano. Decapitado em 258. Foi o primeiro bispo
africano que teve morte de mártir. Sua obra mais importante é
De ecclesiae catholicae unitate.
77. Comm. In Zeph. c.
3. MSL 25.
78. Papa Gelásio,
492 – 496. Decretum Gratiani p. III, De consecr. dist. 2 c. 12.
A Confessio Augustana variata traz a íntegra da sentença
de Gelásio: Comperimus autem quod quidam, sumpta tantum corporis
sacri portione, a calice sacri cruoris abstineant, qui procul dubio, quoniam
nescio qua superstitione docentur astringi, aut integra Sacramenta percipiant,
aut ab integris arceantur, quia diuisio vnius eiusdemque mysterij, sine
grandi sacrilegio non potest accidere (Corpus Reformatorum 27, 381).
79. Nindert ( = nirgends).
80. A procissão
de Corpus Christi, em que se leva a hóstia consagrada. A procissão
realiza-se desde o século XIV. A festa de Corpus Christi (quinta-feira
seguinte à Oitava de Pentecostes, isto é, quinta-feira seguinte
ao domingo da Santíssima Trindade), também chamada festa
do Corpo de Deus e festa do Santíssimo, foi instituída pelo
Papa Urbano IV (século XIII).
81. 1 Co 7.2.
82. 1 Co 7.9.
83. Mt 19.11. Almeida
RA: "Nem todos são aptos para receber este conceito."
84. Gn 1.27.
85. A princípio
proibiam-se aos clérigos apenas o segundo matrimônio, o casamento
depois da ordenação, mais tarde relações sexuais
antes da celebração da eucaristia, e, finalmente, desde
o século IV, depois do surgimento da missa diária, todo
o relacionamento conjugal. Na Alemanha do século XII a maioria
dos sacerdotes ainda era casada.
86. 1 Tm 3.2.
87. Siegfried de Mogúncia,
por ocasião de sínodos em Erfurt e Mogúncia, 1075.
88. O Concílio
de Nicéia (325) recusou-se a exigir o celibato. Quanto aos cânones
a que se refere o texto, vid. Decretum Gratiani I, d. 82, c. 2 –
5; d. 84, 4.
89. Vid. Nota à
tradução do texto latino, seção 2ª.
90. Ou reflexão.
No original, aus grossem Bedenken.
91. No original: die Schärfen
und rigorem.
92. Unchristliche.
93. Tumbherrn - Domherren.
94. Kurtisan - Höfling.
95. Assim no original.
In clero = no clero.
96. Ou entretanto. No
original, allein.
97. 1 Tm 4.1,3.
98. Jo 8.44.
99. Tradução
da tradução alemã.
100. Betrauung - Bedrohung.
101. Ou merecidamente.
No original, billing.
102. Cf. 1 Co 11.27.
103. Kaufmess und Winkelmess.
Missa particular = missa celebrada sem congregação.
104. Präbende = Einnahme,
Pfründe.
105. Na carta aos Hebreus.
106. Hb 9.26,28; 10.10,14.
107. Männiglich =
jedermann.
108. 1 Co 11.20 ss.
109. No original: Die
Diakonen sollen nach den Priestern ordentlich das Sakrament empfahen vom
Bischof oder Priester. Cânone 18 do Concílio de Nicéia.
110. Etwa. Cf. A. Götze,
Glossar.
111. Pfarrmess.
112. Cassiodoro, Historia
ecclesiastica tripartita, IX, 38. MSL 69, 1155D, citado de Sócrates
Escolástico, Historia ecclesiastica (para os anos 305 – 439),
V. 22, MSG 67, 636 s. Cassiodoro (Flavius Magnus Aureolus Cassiodorus
Senator), ca. 485 –ca.580, nascido na Calábria, tornou-se
monge em 540. A Historia tripartita compreende uma tradução
das histórias eclesiásticas de Sócrates Escolástico,
Teodoreto e Sozômeno, feita sob a supervisão de Cassiodoro.
113. Des gegenwärtigen
Menschen, "do homem presente", ou "do homem que está
diante de nós."
114. Ou nomeadamente,
nomeando-os expressamente. No original, namhaftig. Cf. A. Götze,
Glossar.
115. Sl 19.12. Almeida
RA: "Quem há que possa discernir as próprias faltas?"
116. Jr 17.9. traduzimos
o texto alemão (BSLK, p. 99): Des Menschen Herz ist so arg, dass
man’s nicht auslernen kann. (Em alemão moderno, "auslernen"
significa levar a cabo o aprendizado, aprender totalmente.) Almeida RA:
"Enganoso é o coração, mais do que todas as
coisas, e desesperadamente corrupto, quem o conhecerá?"
117. Sl 37.5. Almeida
RA: "Entrega o teu caminho ao Senhor."
118. Decr. Grat. p. II
c. 33 qu. 3. De poenitentia d. I c. 87, 4. Crisóstomo, Homilia
31, in ep. ad Hebr. MSG 63, 216.
119. Glosa ao Decr. Grat.
De poenitentia 5, 1. Lião 1506 s. 375 b: Melius dicitur eam [i.e.,
confessionem] institutam fuisse a quadam universalis ecclesiae traditione
quam ex novi vel veteris testamenti auctoritate.
120. Cf. sobre a confissão
Concílio de Trento, sessão XIV, cânone 8 (Denzinger-Schönmetzer,
Enchiridion Symbolorum, ed. de 1965, número 1708): Si quis dixerit,
confessionem omnium peccatorum, qualem Ecclesia servat, esse impossibilem,
et traditionem humanam a piis abolendam; aut ad eam non teneri omnes et
singulos utriusque sexus Christi fideles iuxta magni Concilii Lateranensis
constitutionem, semel in anno, et ob id suadendum esse Christi fidelibus,
ut non confiteantur tempore Quadragesimae: an.s. ("Se alguém
disser que a confissão de todos os pecados, tal como a observa
a Igreja, é impossível e é tradição
humana que deva ser abolida por pessoas piedosas; ou que não são
obrigados a ela, uma vez por ano, todos e cada um dos fiéis de
Cristo, de ambos sexos, segundo a constituição do grande
Concílio Lateranense, e que por isso os fiéis de Cristo
devem ser persuadidos a não se confessarem no tempo da Quaresma:
seja anátema.") O cânone refere-se ao IV Concílio
de Latrão, de 1215 (Cf. Capítulo 21, Denzinger-Schönmetzer,
Enchiridion Symbolorum, 812: Omnis utriusque sexus fidelis, postquam ad
annos discretionis prevenerit, omnia sua solus peccata saltem semel in
anno fideliter confiteatur proprio sacerdoti......) Sobre a obrigatoriedade
da confissão de pecados mortais cf. Concílio de Trento,
sessão XIV, cânone 7 (Denzinger-Schönmetzer, 1707):
Si quis dixerit, in sacramento paenitentiae ad remissionem peccatorum
necessarium non esse iure divino confiteri omnia et singula peccata mortalia,
quorum memoria cum debita et diligenti praemeditatione habeatur, etiam
occulta, et quae sunt contra duo ultima decalogi praecepta, et circumstantias,
quae peccati speciem mutant; sed eam confessionem tantum esse utilem ad
erudiendum et consolandum paenitentem, et olim observatam fuisse tantum
ad satisfactionem canonicam imponendam; aut dixerit, eos, qui omnia peccata
confiteri student, nihil relinquere velle divinae misericordiae ignoscendum;
aut demum non licere confiteri peccata venialia: an. s. ("Se alguém
disser que no sacramento da penitência não é necessário
por direito divino, para a remissão dos pecados, confessar todos
e cada um dos pecados mortais de que haja lembrança depois de devida
e diligente reflexão, também pecados ocultos, e aqueles
que são transgressões dos dois últimos preceitos
de Decálogo, e as circunstâncias que mudam a natureza do
pecado, porém que essa confissão é apenas útil
para instruir e consolar o penitente, e que antigamente ela foi observada
tão-só com a finalidade de impor uma satisfação
canônica; ou se disser que aqueles que se esforçam para confessar
todos os pecados não querem deixar nada à divina misericórdia
para perdão; ou, finalmente, que não é lícito
confessar pecados veniais: seja anátema.")
121. Tomás de Aquino,
Summa Theologiae, secunda secundae, questio 147, articulus 1 (texto latino
da S. Th., cura et studio Sac. Petri Caramello, cum textu ex recensione
Leonina, Taurini – 1952 – Romanae, p. 634): Assumitur enim
ieiunium principaliter ad tria. Primo quidem, ad concupiscentias carnis
comprimendas.... Secundo, assumitur ad hoc quod mens liberius elevetur
ad sublimia contemplanda.... Tertio, ad stisfaciendum pro peccatis. Unde
dicitur Ioel 2,/12/: Convertimini ad me in toto corde vestro: in ieiunio
et fletu et planctu. ("Pois do jejum se faz uso principalmente para
três finalidades. Em primeiro lugar, para reprimir as concupiscências
da carne.... Usa-se dele em segundo lugar a fim de que a mente se eleve
de maneira mais livre para contemplar as coisas elevadas.... Em terceiro
lugar, a fim de satisfazer por pecados. De onde dizer-se Joel 2.12: Convertei-vos
a mim de todo o vosso coração; em jejum, e choro, e pranto.")
122. Mt 15.1-20.
123. Mt 15.9 Almeida RA:
"E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos
de homens."
124. Mt 15.11.
125. Rm 14.17.
126. Cl 2.16.
127. At 15.10,11.
128. 1 Tm 4.1-3.
129. Sobre Joviniano vid.
Apologia XXIII, 67, nota em "tempo de Joviniano."
130. Lc 21.34. No original,
mit Fullerei = Völlerei, comilança, orgia.
131. Mt 17.21; Mc 9.29.
132. 1 Co 9.27.
133. Eusébio, História
Eclesiástica V, 24, 13, p. 494, 24, ed. de Schwartz. Vid. FC, Epítome
X, 7; Decl. Sól. X, 31.
134. Cassiodoro, Historia
tripartita IX, 38. MSL 69, 1154 A, citado de Sócrates, História
ecclesiastica V 22. MSG 67, 628 B.
135. Tomás de Aquino,
Summa Theologiae, 2a. 2ae., q. 189, art.3, ad 3 (texto lat. cura et studio
Sac. Petri Caramello, p. 852): Rationabiliter autem dici potest quod etiam
per ingressum religionis aliquis consequatur remissionem omnium peccatorum.
Si enim aliquibus eleemosynis factis homo potest statim stisfacere de
peccatis suis, secundum illud Dan. 4, ‘Peccata tua eleemosynis redime’;
muto magis in satisfactionem pro omnibus peccatis sufficit quod aliquis
se totaliter divinis obsequiis mancipet per religionis ingressum, quae
exedit omne genus satisfactionis, etiam publicae poenitentiae, ut habetur
in Decretis, XXXIII caus., qu. 2, cap. Admonere; sicut etiam holocaustum
excedit sacrificium, ut Gregorius dicit, super Ezech. Unde in Vitis Patrum
legitur quod eandem gratiam consequuntur religionem ingredientes quam
consequuntur baptizati. ("Além disso, pode dizer-se razoavelmente
que também pelo ingresso na religião a gente obtém
remissão de todos os pecados. Pois se, feitas algumas esmolas,
pode o homem satisfazer imediatamente pelos seus pecados, de acordo com
Daniel 4: ‘Redime os teus pecados por meio de esmolas’, muito
mais é suficiente para satisfazer por todos os pecados que a pessoa
se devote integralmente ao serviço divino pelo ingresso na religião,
o que excede todo gênero de satisfação, até
o da penitência pública, conforme os Decretos, XXXIII caus.,
qu. 2, cap. Admonere; assim como um holocausto excede a um sacrifício,
conforme diz Gregório, Homilia sobre Ezequiel. De onde ler-se nas
Vidas dos Pais que pelo ingresso na religião se consegue a mesma
graça que se alcança pelo batismo.") – "Ingressar
na religião", neste texto, quer dizer entrar numa ordem religiosa,
fazer votos monásticos, também chamados "votos da religião"
(os três votos de pobreza, obediência e castidade).
136. 1 Co 7.2.
137. Mit der Gabe der
Jungfrauschaft.
138. Gn 2.18.
139. Cf. Tomás
de Aquino, Summa Theologiae II, 2, q. 88 art. 1, 8.
140. So geschwind. Cf.
A. Götze, Glossar (rasch, entschlossen, schlagfertig; pfiffig, listig,
vorschnell; böse, túckisch, etc.) Concordia Triglotta, p.78:
scharf.
141. Mt 15.9.
142. Gl 5.4.
143. Unglimpflich treiben
und aufmutzen.
144. Mal traduzido em
Tappert, p. 80: "that it was an innovation of his time."
145. Ubermasswerk.
146. Casus reservati,
nos quais a absolvição era reservada aos bispos ou ao papa.
147. Gregório VII
(1073 - 1085): Quod illi liceat imperatores deponere ("Que lhe é
lícito depor os imperadores). Mirbt, Quellen, 4ª ed., número
278. Bonifácio VIII, bula Unam sanctam: Spiritualis potestas terrenam
potestatem instituere habet et iudicare, si bona non fuerit ("O poder
espiritual pode instituir o poder terreno e julgá-lo, caso não
seja bom"). Mirbt, Quellen, 4ª ed., 211, 8.
148. Jo 20.21-23.
149. Rm 1.16.
150. Jo 18.36.
151. Lc 12.14.
152. Fp 3.20.
153. 2 Co 10.4,5.
154. Pfarrleut. Tappert
(p.84) traduz "parish ministers". O texto latino só tem
ecclesiae.
155. Lc 10.16.
156. Mt 7.15.
157. Gl 1.8.
158. 2 Co 13.8.
159. 2 Co 13.10.
160. Ou: administrar justiça.
161. Jo 16.12,13.
162. Der Meinung. Cf.
A. Götze, Glossar, Tappert (p. 86) interpreta erroneamente: "...
to make laws out of opinions."
163. Gar.
164. Die Siebenzeit. Texto
latino: horae canonicae. As orações canônicas: meia-noite,
7h, 9h, meio-dia, 15h, 18h, e à hora do repouso ou antes de dormir.
165. Aufsätze. Cf.
A. Götze, Glossar, verbete "Aufsaz (ung)." Texto latino:
traditiones.
166. At 15.10.
167. 2 Co 10.8.
168. Cl 2.16.
169. Cl 2.20-23.
170. Tt 1.14.
171. Mt 15.14.
172. Mt 15.13.
173. Cf. 1 Tm 4.1.
174. Gl 5.1.
175. 1 Co 11.5,6.
176. 1 Co 14.26-31.
177. Vid. Nota em Confissão
de Augsburgo, trad. Texto lat., XXVI, 14.
178. O chamado decreto
Apostólico, de Atos 15.
179. Cf. At 5.29.
180. 1 Pe 5.2.
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[*] A iniciativa de apresentar
a Confissão de Augsburgo digitada é dos pastores Antonio
Carlos Behrens (IECLB) e Osmar Schneider (IELB) que, para tal, contaram
com o valioso auxílio de Sra. Naemi Ledi Skalee Schneider, Sr.
Willy Quandt e Sr. Loiri Jürgensen (membros de ambas as denominações).
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